“Toda noite sem falta, ela rezava para ter olhos azuis. Fazia um ano que rezava fervorosamente. (…) Levaria muito, muito tempo para que uma coisa maravilhosa como aquela acontecesse. Lançada dessa maneira na convicção de que só um milagre poderia socorrê-la, ela jamais conheceria a própria beleza. Veria apenas o que havia para ver: os olhos das outras pessoas.”
Toni Morrison em, O Olho Mais Azul, fala das crueldades mais profundas provocadas pelo racismo em uma sociedade, a partir do olhar de uma criança sobre os padrões de beleza. Mas é mais que isso. É impressionante como a narrativa da história nos parece densa e leve ao mesmo tempo que vamos nos envolvendo no cotidiano das três crianças negras – sendo Pecola Breedlove a personagem principal - que vivem no sul dos Estados Unidos nos anos de 1960, mas que, em muitos aspectos, poderia ser no tempo recente por sua infeliz atualidade. É interessante notar ao terminar de ler o livro, o quanto o racismo estrutura as relações dentro da sociedade, sejam as relações de classe, sejam as relações de poder entre homens e mulheres e as relações cotidianas interpessoais que fazem as crianças crescerem admirando aquilo que é dito, ou imposto, como belo e bom, tais como as bonecas “lindas” e loiras dos olhos azuis que ganhamos ou a casa bonita e arrumada da patroa que nossa mãe trabalha. E esse belo e bom cria aversão, algumas vezes, mas, sobretudo, admiração e desejo que aquilo também lhe constitua, mesmo que pareça ser quase impossível – como a reza insistente e cotidiana de Pecola para um dia ter olhos azuis, num mecanismo de fuga de todo um contexto de violência, de subjugação e negação de quem ela é: negra. Morrison escreveu O Olho Mais Azul em 1962 e 1965 e afirmou que a obra tem um pouco de sua biografia contida nela, um pouco da vivência de uma criança negra do sexo feminino que cresceu uma sociedade também estruturalmente racista como a nossa, que são os Estados Unidos. E foi ela a primeira mulher negra da história a ganhar o Prêmio Nobel da Literatura em 1993.
*Iyalê Tahyrine é uma mulher negra, historiadora e apresentadora do programa Brasil de Fato Pernambuco
Por Brasil de Fato