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Três acusados do assassinato de Nazildo dos Santos seguem soltos


Do assassinato de Nazildo dos Santos Brito, ocorrido na noite de 14 abril de 2018 na estrada de acesso ao assentamento Turé III, no nordeste do Pará, até hoje pouco se avançou na solução do crime. Há quase três anos, a agência Amazônia Real acompanha os desdobramentos do crime na Justiça e na vida cotidiana da comunidade de remanescentes de quilombolas. Um dos acusados de ter atirado contra Nazildo, Marcos Antônio Oliveira Vieira, o único entre os três réus que havia sido preso, teve a prisão preventiva substituída por medidas cautelares em 11 de junho de 2019. O fazendeiro José Telmo Zani, apontado como mandante, e o outro atirador, Raimundo Marcio Pinheiro dos Santos, o Maxixe, continuam em liberdade provisória.


O processo do assassinato de Nazildo dos Santos está na primeira etapa da fase de audiências de instrução, que antecede o júri popular. A última audiência ocorreu em 12 de fevereiro. Na época, o juiz recomendou “urgência no cumprimento da diligência” por se tratar de processo “com grande repercussão na localidade cuja solução deve ser priorizada”.


Segundo a Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Pará, “com o ‘lockdown’, houve certo desajuste na pauta de audiências, a qual ainda parece estar em fase de normalização”. O juiz da Vara de Tomé Açu, onde tramita o processo, decidiu não realizar, durante a pandemia, audiências em que não há réu preso. Foi o caso da audiência marcada para 21 de maio, em que seriam ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa, bem como colher o interrogatório dos réus do caso de Nazildo.


O promotor Antônio Manoel Dias, substituto da promotora Brenda Melissa Braga, em licença-maternidade, disse à Amazônia Real, em entrevista realizada em 15 de dezembro, que houve uma conversa com o juiz José Ronaldo Sales para priorizar o processo. “Conversei com o juiz para despachar neste caso específico pela relevância. Ele é relevante porque não é um simples homicídio, envolve líder comunitário quilombola. Não é que a gente esteja mensurando valores de vidas, mas porque tem uma relevância social maior.”


O motivo do crime que levou à morte de Nazildo, segundo a “Operação Quilombo” da Polícia Civil, foi o conflito agrário, ou disputa de terra, pois o fazendeiro José Telmo Zani tinha interesse nas terras do quilombo Turé III. Nazildo tentava impedir que o fazendeiro continuasse invadindo as terras para extrair madeira de forma ilegal. A área em que ocorre o desmatamento tem 2 mil hectares.


A testemunha-chave que está foragida


Vila Formosa, território quilombola, em Acará, no Pará (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Tramita na Justiça um outro processo movido em consequência da tentativa de homicídio de uma das testemunhas no caso de Nazildo: Erinaldo Lopes. “Ele sumiu da cidade, a gente não sabe onde ele está. Erinaldo é fundamental, testemunha-chave”, analisa o promotor Antônio Dias. Nessa ação, as oitivas das testemunhas de acusação foram encerradas pelo Ministério Público sem que todas tenham sido ouvidas. Erinaldo também seria ouvido pela defesa e pode ainda ser arrolado como testemunha pelo juiz.


Erinaldo Lopes relatou no inquérito da Polícia Civil, que a Amazônia Real teve acesso, que, por volta de uma ou duas semanas antes do crime, Marcos Vieira, o Gordinho, e Raimundo Santos, o Maxixe, ofereceram R$ 5 mil a ele, para que apontasse quem era Nazildo e onde poderia ser encontrado. Lopes recusou a proposta, disse ele em depoimento à polícia.


Ainda no inquérito, Lopes afirmou ao juiz que foi vítima de atentado e disse acreditar que tal ato foi uma tentativa de “queima de arquivo”. Ele acusou Gordinho e Maxixe de terem a “intenção de matar o quilombola” Nazildo, e de estarem agindo “a mando do patrão”, o fazendeiro Telmo Zani. A testemunha disse que estava em sua moto em frente ao hospital do distrito de Quatro Bocas, quando tentaram atingi-lo. Lopes afirmou que escapou dos disparos pulando o muro.


Com especialização em direito agrário, experiência em conflitos no campo e em casos de grande repercussão, como o do padre José Amaro Lopes de Sousa, o promotor Antônio Dias identifica a possibilidade de intimidação das testemunhas. “Os criminosos sabem que intimidando uma das testemunhas, outras se sentem ameaçadas.”


Quatro dias após o assassinato de Nazildo, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará solicitou à Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos uma avaliação para o ingresso de Laelson Siqueira de Souza no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, sem sucesso. Outras testemunhas do crime também foram incluídas no pedido de inclusão nesse programa de proteção. Os nomes estão sob segredo devido à insegurança na região. Nazildo também pediu segurança e não foi atendido pela Justiça.


A libertação de um dos acusados


O fazendeiro José Telmo Zani (de blusa azul) é acompanhado por advogados (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Telmo Zani é proprietário da Fazenda Rio Negro, que faz limites com as terras das comunidades quilombolas do Turé. No site da Receita Federal consta que a empresa que administra a fazenda tem capital de R$ 60 mil. Morador de Quatro Bocas, vizinha de Acará, o fazendeiro é bastante conhecido na região. Vieira e Santos são cunhados e têm relações de trabalho com o fazendeiro.


Marcos Antônio Oliveira Vieira foi preso após se envolver em um acidente de trânsito entre as cidades de Tomé-Açu e Quatro Bocas, em que uma criança morreu. Ele foi preso por apontar uma pistola de fogo para o irmão da criança. A sua prisão preventiva foi substituída, em junho de 2019, sob o compromisso de comparecimento mensal em juízo; proibição de frequentar bares, casas de jogos e similares e de entrar em contato com qualquer testemunha, além de permanecer em casa entre as 22 e 5 horas.


O Ministério Público era contra a revogação da prisão preventiva de Marcos Vieira, mas não chegou a recorrer da decisão. Para o juiz Adelino Arrais Gomes da Silva, a situação de Marcos Vieira, que ficou preso por mais de 300 dias, “não poderia ter tratamento diferenciado” em relação ao fazendeiro Telmo e ao atirador Maxixe.


Ainda faltam ser ouvidas as testemunhas de defesa e os próprios réus. Foram arroladas pela defesa Erinaldo Pereira Lopes, Ruiza Zani e José Alvez Bezerra, com a possibilidade da defesa apresentar outras testemunhas em audiência, independente de intimação. Os advogados de defesa dos três réus alegam a inocência de seus clientes.


Defensor do fazendeiro morreu de Covid-19


O advogado criminalista Osvaldo Serrão, que atuava na defesa do fazendeiro Telmo Zani, morreu aos 68 anos, no dia 9 de outubro, um mês depois de ter testado positivo para a Covid-19. Ele foi internado no Hospital Beneficente Portuguesa em 11 de setembro, com complicações decorrentes da doença. O criminalista chegou a se recuperar, mas enfrentou um fungo no pulmão e sofreu dois infartos, sendo que da segunda vez teve morte cerebral.


Serrão ficou conhecido por atuar em casos de crimes que tiveram repercussão internacional. Ele foi advogado de defesa do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, condenado por ser mandante do assassinato da missionária norte-americana Dorothty Stang, no dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu (PA). Ao completar 40 anos de carreira, publicou um livro autobiográfico em que destaca momentos de sua história.


Na primeira audiência de instrução do processo de assassinato de Nazildo dos Santos, o advogado Serrão carregava exemplares de seu livro, com os quais presenteou o juiz e o promotor na época. Era uma pessoa bastante expressiva. Foi velado com o caixão fechado e teve um enterro normal. Recebeu inúmeras homenagens de seus pares.


O filho Yan Serrão, 42 anos, advogado da área criminal, fundiu seu escritório com o do pai. “Estou chamando todos os clientes e me colocando à disposição deles. Estou dando prioridade aos casos mais urgentes. Ainda não me coloquei nesse caso, de antemão. O escritório está assumindo 100% dos casos, são aproximadamente 100 processos.” O filho de Serrão é o único entre os quatro irmãos que seguiu na profissão do pai.


Nazildo dos Santos Brito era agricultor e defensor do território quilombola do Turé III (Foto: Jamilli Medeiros)



Fonte: Amazônia Real

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