Em desvantagem contra o rival, Joe Biden, presidente norte-americano entra em quarentena a cinco semanas das eleições. Inspiração de Jair Bolsonaro, Trump foi considerado por uma universidade dos Estados Unidos como a maior fonte de desinformação sobre a pandemia do coronavírus
O chefe de Estado que mais contribuiu para espalhar desinformação sobre a pandemia do coronavírus no planeta está com Covid-19. No início da madrugada desta sexta (2), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que ele e a primeira-dama, Melania, receberam diagnóstico positivo para a doença e entraram em quarentena, a 32 dias das eleições norte-americanas.
O casal já havia sido isolado depois que a conselheira sênior da Casa Branca, Hope Hicks, testou positivo. Hicks viajou com o republicano para o debate com o democrata Joe Biden em Cleveland, na terça (29), e esteve ao lado dele em Minnesota, na quarta (30), para um evento de campanha. Programada para esta sexta, a viagem à Flórida, considerada crucial para a disputa, foi cancelada.
Presidente que minimizou a importância da pandemia desde o início e não usou máscara em público até julho, Trump vinha mantendo agenda intensa de viagens e comícios com a participação de milhares de pessoas, a despeito das advertências de profissionais de saúde pública.
Também interagiu pessoalmente com Biden, que manteve comportamento público responsável e o acusa de ser incompetente na condução da crise sanitária. As alegações de Biden repercutem um estudo da Universidade Cornell, que aponta Trump como, provavelmente, o maior fator de desinformação sobre a covid-19.
Uma equipe da Aliança pela Ciência da Cornell avaliou 38 milhões de artigos publicados em inglês, entre 1º de janeiro e 26 de maio. A amostra inclui Estados Unidos, Reino Unido, Índia, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia, além de nações da África e da Ásia.
522.400 informações falsas
Os especialistas identificaram mais de 522.400 artigos com informações falsas sobre o coronavírus. O fenômeno é denominado “infodemia” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Eles também calcularam o impacto dessas publicações nas redes sociais, com mais de 36 millhões de interações, três quartos delas no Facebook.
No total, foram identificadas 11 categorias de informações falsas. A maior incidência foi sobre curas ilusórias, com 295.351 artigos. Os comentários de Trump foram responsáveis por um aumento significativo desse tipo de mentira, em especial sua sugestão de injetar desinfetante para combater a Covid-19, em abril. Picos semelhantes também ocorreram quando ele promoveu o uso da hidroxicloroquina.
“Portanto, concluímos que o presidente dos EUA foi, sem dúvida, o mais importante fator de desinformação sobre o coronavírus”, afirmaram os pesquisadores. “Se as pessoas foram enganadas por alegações não científicas e sem fundamentos sobre a doença, é menos provável que sigam as recomendações oficiais e, assim, espalhem o vírus ainda mais”, apontou Sarah Evanega, que liderou o estudo.
Trump mentiu sobre gravidade da pandemia
No início de setembro, um áudio divulgado pelo jornal ‘Washington Post’ revelou que, em conversa com o repórter Bob Woodward, Trump demonstrou conhecimento sobre a gravidade da doença, reconhecendo, em fevereiro, que o coronavírus é “mais mortal inclusive que uma gripe intensa”. “Isto é algo fatal”, afirmou ao jornalista, conhecido pela série de reportagens que ocasionaram o escândalo de Watergate e culminaram na renúncia de Richard Nixon à Presidência dos EUA, em 1974.
Em março, Trump voltou ao assunto com o repórter: “Sempre quis minimizar sua importância”, confessou. “Ainda gosto de minimizar porque não quero criar pânico”, relatou Trump a Woodward em gravação divulgada pela ‘CNN’.
Dias após a conversa, Trump disse que tinha planos para reabrir atividades nos EUA no domingo de Páscoa. Ele vinha insistindo, semanas antes, que o coronavírus não passava de uma gripe qualquer. As declarações foram prontamente adaptadas pelo fã brasileiro, Bolsonaro, que na mesma época referiu-se ao coronavírus como “gripezinha” ou “resfriadinho”.
O ‘Washington Post’ também destaca que Trump participou de uma reunião de emergência sobre a pandemia no fim de janeiro. Na ocasião, fora informado que o surto atingiria proporções semelhantes à da chamada Gripe Espanhola, de 1918. “Isto será a maior ameaça à segurança nacional que o senhor enfrentará na sua presidência”, alertou o assessor de Segurança Nacional, Robert O’Brien, segundo trechos do livro de Woodward revelados pelo jornal em primeira mão.
Apesar disso, “Trump nunca pareceu disposto a mobilizar totalmente o governo federal e continuamente parecia empurrar os problemas para os estados”, segundo o escritor. Em suas investigações, Woodward descobriu que simplesmente “não havia uma teoria de gestão real do caso ou como organizar uma grande empresa para lidar com uma das emergências mais complexas que os Estados Unidos já enfrentaram”.
Sincronia nas fake news
Desde o início da pandemia, Trump e Bolsonaro disseram, sincronicamente, frases quase idênticas sobre o coronavírus e o combate à pandemia. Ambos minimizaram o tamanho do problema, brigaram com seus auxiliares médicos, agiram contra a orientação de paralisar a economia para impedir o espalhamento do vírus, entraram em disputa de poder com os governadores estaduais, mencionaram descrédito em relação às informações da China sobre a epidemia, questionaram orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, mesmo sem estudos conclusivos, promoveram a cloroquina como cura para doentes de Covid-19.
Bolsonaro copiou a tragédia americana no Brasil, apesar de ter em mãos pelo menos dois meses a mais em relação aos americanos, antes que a pandemia irrompesse em solo nacional, no fim de fevereiro. Do mesmo modo, foi alertado sobre a gravidade do surto tanto pelo Agência Brasileira de Informação (Abin) quanto pelo corpo técnico do Ministério da Saúde. Mas nada fez. Ao contrário, tratou de demitir dois ministros da pasta e deixou que o vírus circulasse sem nenhuma tentativa de controle federal.
“Tanto Trump quanto Bolsonaro têm influências muito semelhantes, estão imersos nas guerras culturais alimentadas por essa direita cuja base está na internet e que tem fornecido essas respostas que estamos vendo ambos usarem na pandemia”, afirmou a cientista política Amy Erica Smith, professora da Iowa State University, à ‘ BBC News Brasil’.
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