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Sonia Guajajara é a 1ª ministra dos Povos Indígenas


A indicação da liderança virou motivo de polêmica nas redes sociais, já que ela era uma das três parlamentares indígenas eleitas para a bancada do cocar no Congresso Nacional. Joênia Wapichana será a nova presidente da Funai. (Foto de José Cruz/Agência Brasil)

Por Vivianny Matos, Leanderson Lima e Elaíze Farias, da Amazônia Real - O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou na quinta-feira (29) a criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas e confirmou o nome de Sonia Guajajara (do PSOL) como a primeira ministra do órgão, durante a coletiva na sede da transição do novo governo no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. Na sexta (30), Joênia Wapichana foi anunciada como nova presidente da Funai, que integrará a estrutura da nova pasta que vai ser criada.


A indicação de Sonia foi marcada por críticas negativas por parte de lideranças do movimento indígena nacional. A principal é que ela deixará a luta no parlamento da chamada “bancada do cocar”, para onde foi eleita com mais de 150 mil votos em São Paulo, A bancará será representada pela colega de partido Célia Xakriabá, que se elegeu por Minas Gerais, e de Juliana Cardoso (PT/SP).


“Depois de muito trabalho, depois de muita tensão, depois de muita conversa, depois de muito ajuste, nós terminamos de montar o primeiro escalão do governo. (…) Eu estou feliz porque nunca na história do Brasil teve tantas mulheres ministras. Eu estou feliz porque nunca na história do Brasil nós tivemos uma indígena ministra. Ontem (28) eu falei com a Sonia que é uma experiência nova que todos nós temos que trabalhar para ajudar. Eu ainda tenho que escolher quem vai ser o presidente da Funai, será uma indígena ou indígena, o presidente da área de Saúde [Sesai], e também será uma pessoa indígena porque eles já estão mais do que preparados para tomar conta dos seus problemas. Eu acho que isso vai ser importante porque vai melhorar tudo aquilo que a gente tenta fazer para demarcar as terras indígenas”, disse o presidente eleito Lula, que assume o governo pela terceira vez, no próximo dia 1º de janeiro, após dois mandatos (de 2003 a 2010), e nunca ter nomeado um indígena ao cargo de ministro de estado.


O nome de Sonia Guajajara no governo é também representativo após os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, que não demarcou um centímetro de terra indígena e desmontou as políticas de demarcação dos territórios, do meio ambiente e ameaçou a preservação da floresta amazônica e de seus povos.


Além do Ministério dos Povos Indígenas, Lula anunciou na coletiva outros 15 ministérios e confirmou os nomes de Marina Silva (Meio Ambiente) e Simone Tebet (Planejamento). Serão no total 11 mulheres e 26 homens na chefia de ministérios. Com os mais 21 já definidos, o governo terá um total de 37 ministros, entre eles, Alexandre Silveira (Minas e Energia), Fernando Haddad (Fazenda), Aniele Franco (Igualdade Racial), Margareth Menezes (Cultura), Sílvio Almeida (Direitos Humanos), Nísia Trindade (Saúde), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Cida Gonçalves (Mulher) e Flávio Dino (Justiça).


O nome de Sonia Guajajara fazia parte de uma “lista tríplice” de indicações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Conselho Terena, mas não tinha apoio de grandes lideranças do movimento. Também indicada ao ministério, a deputada federal Joenia Wapichana (Rede/RR) recebeu apoio de Davi Yanomami, Raoni e Ailton Krenak. O terceiro indicado era o vereador Weibe Tapeba, do PT do município de Caucaia (CE).


Algumas organizações regionais de peso, como a Coordenação das Organizações Indígenas Brasileira (Coiab) e a Federação dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), divulgaram cartas públicas apoiando Joenia, que perdeu a reeleição nas eleições de outubro. A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) divulgou apoio para as duas mulheres.


Após o anúncio do nome de Sonia para o Ministério de Povos Indígenas, lideranças e apoiadores da causa indígena foram às redes sociais se manifestar. O escritor Daniel Munduruku, no Twitter, foi categórico: “Acho um tiro no pé do movimento indígena a nomeação de @GuajajaraSonia para ministra. Acho que o Brasil indígena ganharia mais com seu jeito aguerrido de ser na Câmara Federal. De qualquer forma, torço por seu sucesso. Em tempo: preferia @JoeniaWapichana”.


Avelin Kambiwá resumiu: “Desfalca a bancada do cocar!”. Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, indigenista e protagonista do documentário O Território, parabenizou Sonia, questionou: “Agora gostaria de saber se seu ou sua suplente é um/a indígena?” Não é. Yura Ni–Nawavo Marubo escreveu nem sua rede social: “A escolha não foi adequada (…) Contudo, prevaleceu outros entendimentos, que foge da seara indígena”. O suplente da ministra na Câmara Federal é o deputado Ivan Valente (PSOL/SP).


Nova presidente da Funai


Joênia Wapichana e o presidente eleito Lula (Foto: Ricardo Stuckert)

Deputada federal, Joênia Wapichana foi anunciada como nova presidente da Funai, órgão responsável pela demarcação das TIs, um dia após a publicação, no Diário Oficial da União, da exoneração de Marcelo Xavier. Na mais desastrosa gestão à frente do órgão, Xavier não demarcou nenhuma TI, perseguiu indígenas e loteou os cargos oficiais com pessoas como o pastor Ricardo Lopes Dias, que chefiou a coordenação de índios isolados. O missionário entrou no lugar do indigenista Bruno Pereira, assassinado junto ao jornalista inglês Dom Phillips.


O anúncio do nome da nova mandatária da Funai foi feito por Lula em suas redes sociais: “Estive com Joenia Wapichana, que assumirá a presidência da Funai em nosso governo. Pela primeira vez, finalmente teremos a Funai presidida por uma mulher indígena, dentro da estrutura do Ministério dos Povos Indígenas. Novos tempos para o Brasil”.


Em uma live feita para as suas redes sociais, Joênia agradeceu às organizações indígenas que apoiaram o nome dela para chegar ao Ministério dos Povos Indígenas, e desejou que a escolhida de Lula, Sonia Guajajara, possa desempenhar um bom trabalho com diálogo e participação dos povos indígenas à frente do novo ministério. Sobre a Funai, Wapichana descreveu o convite como uma “porta que se abre” no sentido do apoio ao governo eleito. “Nós temos uma série de desafios, uma série de demandas que durante esses anos todos foram negligenciadas, e as prioridades do nosso povo têm sido sempre a última por falta de orçamento, de investimento”, conta.


A deputada federal conta que recebeu o convite de Lula há alguns dias, mas que optou por só se reunir com o presidente eleito juntamente das lideranças dos movimentos indígenas. “Sei que vai ser difícil a forma com que deixaram a Funai sucateada, negligenciada, com desmontes, com vários ataques que sofrem durante este tempo, mas é nosso único órgão federal e ele vai servir de apoio importantíssimo a este Ministério que está nascendo e esse desafio representa muito trabalho, muita responsabilidade e eu vou precisar contar com o apoio de vocês e das lideranças indígenas de todo o Brasil”, afirmou.


As questões indígenas

A promessa de um Ministério dos Povos Indígenas, que terá a Funai sob seu guarda-chuva, foi feita por Lula no Acampamento Terra Livre, em abril deste ano. Na ocasião, a centenas de indígenas e ao lado de Sonia Guajajara, ele disse: “Preparem-se, pois alguém terá que assumir um ministério que vai tratar das questões indígenas”. Passados oito meses, a promessa foi cobrada pelos indígenas, que não abriram mão da pasta de ministério. Nas últimas semanas, chegou a circular a informação de que a pasta seria transformada em secretaria, alternativa rechaçada pelas lideranças indígenas.


Nesta quinta-feira pela manhã, antes de Lula confirmou seu nome na coletiva, Sonia fez uma postagem nas redes sociais dizendo que aceitou ser ministra: “Com muita honra assumo esse desafio disposta a trabalhar pela reparação histórica das injustiças e violências cometidas contra nós povos indígenas há 522 anos”, disse a ministra dos Povos Indígenas.

Mulher influente


Sonia Guajajara foi a primeira mulher indígena a ser candidata a vice-presidente da República, em 2018 (Foto de Felipe Beltrame/Divulgação)

Sonia Bone de Souza Silva Santos, mais conhecida como Sonia Guajajara, nasceu em 1974 na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, e pertence ao povo Guajajara/Tentehar.

Liderança indígena na defesa ambiental, foi reconhecida como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2022, segundo a revista norte-americana Time. Antes de atuar nas áreas da saúde, como auxiliar de enfermagem, e da educação, enquanto professora, foi babá e empregada doméstica. Tem graduação e pós-graduação em Letras, na área de Educação Especial, pela Universidade Estadual do Maranhão (Uema).


Na militância pelos direitos dos povos indígenas, entre 2001 a 2007, integrou a coordenação da Coordenação das Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima). Participou do primeiro evento nacional indígena, a pós-conferência da Marcha Indígena, para discutir o Estatuto dos Povos Indígenas em Luziânia, no estado de Goiás.

Em 2008, participou do Fórum Permanente da ONU para Questões Indígenas, em New York. Já em 2009, Sônia Guajajara foi eleita vice-coordenadora da Coiab.


Em 2012, coordenou a organização do Acampamento Terra Livre na Cúpula dos Povos. No ano seguinte estava à frente da Semana dos Povos Indígenas e de ocupações no plenário da Câmara e no Palácio do Planalto.


No ano de 2013, assumiu a coordenação-executiva da Apib. Sonia passou a ter reconhecimento internacional pelas denúncias que fez sobre as violações dos direitos dos povos indígenas nos últimos anos.


Em 2018, Sonia Guajajara foi a primeira indígena a disputar as eleições para a Presidência da República, em 2018.


Repercussão positiva


Lula, Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e lideranças indígenas na COP27 (Foto: Oliver Kornblihtt/Mídia Ninja)

A liderança indígena Adriano Karipuna, apesar da alegria da conquista de Sônia Guajajara, alertou que é preciso “muita atenção” para a execução das políticas públicas aplicadas aos povos indígenas. “As ações de criação de políticas públicas indigenistas precisam vir das bases, a partir de diálogos com os povos indígenas, respeitando as peculiaridades e necessidades de cada um”, disse ele à Amazônia Real. A TI Karipuna, por exemplo, é uma das mais impactadas pela grilagem, invasões, roubo de madeira e desmatamento em Rondônia.


Dúvidas não faltam sobre os papéis que ficarão a cargo do Ministério dos Povos Indígenas. Um deles é sobre o orçamento, já que por se tratar de uma nova pasta, ainda não se sabe quanto o futuro ministro poderá contar. Adriano Karipuna enfatiza que ações imediatas precisam ser adotadas, tais como a retirada de invasores das TIs, a fiscalização e vigilância dos territórios, proteção da integridade física dos indígenas (medida protetiva) e a ampliação das estratégias que fomentem a economia indígena agroecológica e de extrativismo e reativação de povos de vigilância.


Adriano Karipuna destaca que é preciso dar atenção à situação dos indígenas que vivem nas áreas urbanas e lembrou da saúde mental dos povos que estão em constante ameaça de morte em seus próprios territórios. “Também precisam ser cancelados todos os projetos que são anti-ambientais e anti-indígenas. E quero ressaltar a importância de mais indígenas estarem ocupando as universidades. Com os cortes feitos na educação pelo governo Bolsonaro, também fomos afetados”, relembra.


Demarcações de territórios


Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e lideranças indígenas, durante o ATL 2022, em Brasília-DF (Foto: Reprodução/Mídia NINJA)

O presidente Federação dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), Marivelton Baré, comenta sobre o entusiasmo com a criação do órgão, mas lembra que não basta ter uma pessoa indígena à frente do ministério. É preciso que o corpo técnico também seja formado por indígenas. “É importante e estamos preparados para assumir e desenvolver os trabalhos, junto aos territórios demarcados, assim também aos que estão em processo de demarcação, além de dar atenção às populações indígenas em contexto urbano”, afirma.


Marivelton Baré avalia que o ministério cumprirá a efetivação dos direitos constitucionais aos povos indígenas, como nunca se teve antes na história do Brasil, além de recuperar e melhorar a política indígena do país, que ele afirma ter sido “totalmente acabada e inviabilizada pelo governo Bolsonaro”.


A liderança indígena acredita que a Fundação Nacional do Índio (Funai) será parte integrante na sua totalidade deste ministério, que retomará os processo de demarcação no país e também implementará a política nacional de gestão ambiental e territorial indígena, a partir do diálogo e a participação ativa e representativa do movimento indígena. Ele afirma que isso só será possível com o movimento indígena organizado no Brasil.


Dentro das estruturas governamentais, a Funai faz parte do Ministério da Justiça. Até o

momento desta publicação, não há uma definição sobre a transferência do órgão indigenista para outra pasta.


A Foirn teve representação no Grupo de Trabalho dos Povos Originários, criado pela equipe de transição do presidente eleito, e destacou como prioridades a retomada e continuidade dos processos de demarcação. Sobre as situações das TI’s, a Foirn informou à Amazônia Real que, no Alto Rio Negro tem uma terra para homologação, duas para demarcação física e posterior homologação e mais duas para a publicação do Relatório Circustanciado de Identificação e Delimitação (RCID), para que o processo tenha continuidade.


A expectativa é que, com o fortalecimento da Funai e a recriação das coordenações técnicas locais e lotação de profissionais, sejam ampliadas as equipes de trabalho, assim como ocorrerá a reestruturação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.


“Existe a necessidade de infraestruturas adequadas, não só na ponta, mas também para que os trabalhos das equipes multidisciplinares possam atender o nosso povo, dentro do território. É o momento de reorganizar e isso é uma demanda nacional. É preciso implementar o Fundo Indígena para apoiar as ações de demandas dos planos de gestão ambiental e territorial das terras indígenas, que já foram criados”, lembra Marivelton Baré.


“O narcotráfico e o garimpo ilegal têm tomado de conta e segue em uma omissão do Estado, sem contenção nenhuma ou mesmo ação integrada para coibir essas atividades”, diz o líder Baré. Ele afirma ser necessário que o movimento indígena possa fazer indicações de aliados em órgãos federais estratégicos, que somam forças e que os indígenas possam ter o protagonismo para fazer acontecer e reconstruírem a política indígena do Brasil. (Colaborou Kátia Brasil, de Brasília)


* Reportagem atualizada na sexta-feira (30/12) para informar sobre a escolha de Joênia Wapichana para presidir a Funai



Fonte: Amazônia Real

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