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Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial: A ameaça aos serviços ambientais da floresta amazônia


A imagem que abre este artigo mostra a floresta preservada no trecho do meio da BR-319 (Foto cedida por Carolle Alarcon).

Especialmente preocupante é uma rodovia estadual planejada (AM-366) que se ramificaria da BR-319 para o oeste e passaria pelos primeiros blocos de perfuração do maciço projeto “Área Sedimentar do Solimões” para extração de petróleo e gás em uma área maior que o estado americano da Califórnia [1] (Fig. 2). Os blocos que seriam atravessados pela AM-366 já foram comprados pela gigante petrolífera russa Rosneft ([2], p. 106), e uma empresa tão poderosa provavelmente influenciaria as autoridades governamentais a acelerar a construção da AM-366. Também é provável que surjam estradas secundárias ilegais espontâneas (“ramais”), como já está acontecendo ao longo da BR-319 [3]. Uma delas até segue a rota planejada da AM-366, cortando uma terra indígena e um parque nacional [4].


Fig. 2. Mapa do projeto planejado ‘de óleo e gás “Área Sedimentar do Solimões”. As áreas roxas possuem poços atualmente em produção. As finas linhas verdes representam locais já pesquisados por métodos sísmicos para perfuração futura. A “área de influência estratégica” do projeto, de 740.000 km2, está destacada em vermelho; é maior que o estado americano da Califórnia. Fonte para projeto de óleo e gás: ([5], p. 65); Fonte para estradas planejadas: [6].

A vasta área que seria aberta a oeste da BR-319 possui alta biodiversidade e uma rica diversidade de povos indígenas [7]. É também a fonte do vapor d’água que é reciclado pelas árvores e transportado para São Paulo pelos ventos conhecidos como “rios voadores” [8, 9]. Esta área contém um enorme estoque de carbono que, se liberado em um curto período de anos, seria crítico para empurrar o sistema climático global além de um ponto de inflexão onde um “efeito-estufa descontrolado” aceleraria fora do controle humano [10, 11].


Os potenciais impactos globais de permitir que a Amazônia ocidental, central e norte sejam abertas para a destruição são de magnitude suficiente para que aqueles em outras partes do mundo devem considerar tanto seus papéis nos processos destrutivos em andamento no Brasil quanto a influência potencial que eles têm sobre eventos no país. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e soja, que são as duas commodities com maior impacto no desmatamento da Amazônia (por exemplo, [12]). Os políticos brasileiros são muito sensíveis ao atendimento dos interesses do agronegócio do país, e qualquer ameaça de restrições por parte de países e empresas importadoras tem forte influência nas decisões [13]. Todos os países, empresas e indivíduos devem considerar os impactos indiretos que suas compras têm em outras partes do mundo, incluindo impactos que voltam a afetá-los diretamente por meio das mudanças climáticas.


Em suma, a rodovia BR-319 será um desastre social, econômico e ecológico. Essa rodovia e suas estradas laterais planejadas ameaçam uma parte da Amazônia que precisa ser mantida em floresta para gerar os serviços ambientais que esse habitat biologicamente diverso fornece à população local, à população brasileira em geral e ao resto do mundo.[14]



Notas

[1] Fearnside, P.M. 2020. Os riscos do projeto de gás e petróleo “Área Sedimentar do Solimões”. Amazônia Real, 12 de março de 2020.

[2] Brasil, DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). 2020. Estudo do Componente Indígena CI Preliminar da Etnia 3 – Apurinã – Rev C. Brasília: DNIT.

[3] Fearnside, P.M., L. Ferrante & M.B.T. de Andrade. 2020. Ramal ilegal a partir da rodovia BR-319 invade Reserva Extrativista e ameaça Terra Indígena. Amazônia Real, 09 de março de 2020.

[4] Fearnside, P.M., L. Ferrante, A.M. Yanai & M.A. Isaac Júnior. 2020.Região Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.

[5] Brasil, EPE (Empresa de Pesquisa Energética). 2020. Estudo Ambiental de Área Sedimentar na Bacia Terrestre do Solimões. Relatório SOL-EA-60-600.0010-RE-R0. Manaus & Rio de Janeiro: EPE. 552 pp.

[6] Brasil, DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). 2002. Mapa Rodoviário Amazonas. Brasília: DNIT.

[8] Arraut, J.M., C.A. Nobre, H.M. Barbosa, G. Obregon & J.A. Marengo. 2012. Aerial rivers and lakes: Looking at large-scale moisture transport and its relation to Amazonia and to subtropical rainfall in South America. Journal of Climate 25: 543-556.

[9] Keys, P.W., R.J. van der Ent, L.J. Gordon, H. Hoff, R. Nikoli & H.H.G. Savenije. 2012. Analyzing preci

[10] Nogueira, E.M., A.M. Yanai, F.O.R. Fonseca & P.M. Fearnside. 2015. Carbon stock loss from deforestation through 2013 in Brazilian Amazonia. Global Change Biology 21: 1271–1292.

[11] Barros, H.S. & P.M. Fearnside. 2019. Soil carbon is decreasing under “undisturbed” Amazonian forest. Soil Science Society of America Journal 83: 1779-1785.

[12] Fearnside, P.M., A.M.R. Figueiredo & S.C.M. Bonjour. 2013. Amazonian forest loss and the long reach of China’s influence. Environment, Development and Sustainability 15: 325-338.

[13] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2022. Países devem boicotar o Brasil por causa do desmatamento impulsionado pela exportação. Amazônia Real, 16 de fevereiro de 2022.

[14] Este texto é uma tradução parcial de: Fearnside, P.M. 2022. Amazon environmental services: Why Brazil’s Highway BR-319 is so damaging. Ambio As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM 01.02.016301.000289/2021 ) e Rede Brasileira de Pesquisa em Mudança do Clima (FINEP/Rede Clima 01.13.0353-00).


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