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“Pirarucu – o respiro da Amazônia” mostra proteção da floresta


Documentário de Carolina Fernandes estreou no Teatro Amazonas e retrata melhorias na qualidade de vida e na proteção da Amazônia por meio do manejo sustentável do peixe. Protagonistas, ribeirinhos participaram de todos os processos da produção do filme. Na foto acima, a equipe na estreia no último domingo no Teatro Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

O manejo sustentável do pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo, se tornou um exemplo de ação para a proteção da Amazônia e dos povos da floresta. Articulada e protagonizada pelas populações tradicionais da região, a atividade serviu de inspiração para o documentário “Pirarucu – o respiro da Amazônia”, que estreou neste domingo (20) no Teatro Amazonas, centro de Manaus, em sessão gratuita e aberta ao público.


Dirigido por Carolina Fernandes, diretora e produtora audiovisual radicada no Amazonas há 12 anos, o filme mostra como as comunidades da Reserva Extrativista (Resex) do Médio Juruá e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, localizadas no interior do Amazonas, melhoraram a qualidade de vida por meio de iniciativas de geração de renda de forma sustentável. Além disso, destaca a integração dos conhecimentos tradicionais das comunidades ao conhecimento científico dos pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.


“Através da história das comunidades, o documentário mostra como a integração dos conhecimentos tradicionais e científicos teve capacidade de criar um modelo de desenvolvimento que salvou uma espécie ameaçada de extinção, gerou bem estar e renda para povos amazônidas e incentivou a proteção da floresta e seus serviços ecossistêmicos”, diz a diretora, em entrevista à Amazônia Real.


O manejo participativo e sustentável do pirarucu foi desenvolvido na década de 1980, na RDS Mamirauá. Os princípios do sistema de manejo do pirarucu envolvem a realização de uma série de procedimentos relacionados à organização comunitária, vigilância dos ambientes aquáticos, estabelecimento de regras de uso dos recursos, realização de levantamento dos estoques, pesca sustentável e comercialização. O filme mostra como a região do médio rio Juruá saiu de um cenário de trabalho análogo à escravidão para se tornar exemplo de desenvolvimento sustentável na Amazônia.


“Com o declínio da borracha e seus patrões, os moradores da região se organizaram e, incentivados pela luta por emancipação liderada por Chico Mendes, conquistaram a demarcação de Unidades de Conservação (UCs) e a comercialização da produção agroextrativista de forma mais autônoma e justa, banindo os atravessadores e criando associações próprias”, explica.


O filme apresenta os resultados positivos dessa atividade no médio Juruá. Em 11 anos, a população de pirarucu já aumentou 55 vezes em lagos protegidos, fruto do manejo participativo e que gera uma importante fonte de renda para as comunidades.


O documentário mostra o trabalho da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), a primeira organização sem fins lucrativos criada na região do rio Juruá, no município de Carauari (AM), a 780 km de Manaus, e que até hoje atua na organização e representação dos trabalhadores rurais na luta pela garantia dos seus direitos, viabilizando processos de comercialização da produção solidária e sustentável para a geração de renda e melhoria da qualidade de vida, com a conservação dos recursos naturais. A ASPROC é exemplo de atuação na luta pelo território e na criação de unidades de conservação.


“É muito encantador poder testemunhar a força do povo da floresta nas iniciativas de geração de renda de forma sustentável. Eles são um grande exemplo para o mundo”, comenta a cineasta.


O Médio Juruá é uma região reconhecida na Amazônia brasileira devido ao histórico de organização social da população ribeirinha. Com a decadência do ciclo da borracha e o apoio da Igreja Católica, na década de 1990, a população da região se organizou por meio da ASPROC, com o objetivo de conquistar o acesso aos, até então, raros direitos sociais na região, como escola básica, atendimento de saúde e justa comercialização dos produtos agroextrativistas.


Como resultado das demandas locais, foram criadas duas reservas de uso sustentável: a Reserva Extrativista (Resex) do Médio Juruá, em 1997, com 253.227 hectares, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Uacari, em 2005, com 632.949 hectares. Hoje, quase 2000 pessoas vivem dentro das reservas, distribuídas em cerca de 45 comunidades, sendo mais de 500 associados da ASPROC, o que representa a quase totalidade das famílias.


Devido à pesca desordenada em meados do século XX, o pirarucu foi praticamente dizimado nos rios amazônicos, sendo extinto em muitos locais. A pesca nos ambientes naturais foi proibida em todo o Amazonas, sendo permitida apenas através do manejo em áreas legalmente protegidas.


O manejo ocorre de forma comunitária. As comunidades protegem os lagos, contam os estoques nos ambientes aquáticos, através de metodologia validada cientificamente, solicitam a cota de abate ao governo, realizam a pesca e vendem o pescado nas sedes municipais ou para os grandes frigoríficos da capital. No médio Juruá, o manejo do pirarucu foi iniciado em 2010, porém o trabalho de proteção dos lagos já ocorria desde a década de 1980, em resposta às invasões por agentes externos para captura de peixes com alto valor comercial e quelônios. Sob a coordenação da ASPROC e com apoio de organizações parceiras, anualmente as comunidades se reúnem para avaliar e planejar o manejo na região.


Segundo a diretora, as filmagens foram realizadas ao longo do Lago Serrado e São Raimundo, no Juruá, em um arranjo que representa mais de 50 comunidades rurais distribuídas em mais de 500 km de rio. “A logística para as filmagens foi bastante complexa e realizada em várias etapas. Filmamos o manejo do pirarucu no médio Juruá por dez dias. Após isso, tivemos filmagens de entrevistas com os parceiros da rede pirarucu em Manaus e, por fim, viajamos para Mamirauá por cinco dias, onde pudemos fazer entrevistas com os pioneiros pescadores de pirarucu da região, que iniciaram e implementaram o manejo dessa espécie na Amazônia”, detalha.


As comunidades participaram de todos os processos de concepção do filme, reflexo de um protagonismo local. “O manejo é liderado pela ASPROC, que é uma organização de base, então o filme basicamente conta uma história que é feita pelos ribeirinhos e pelos ribeirinhos”.


Para Carolina, o filme foi um mergulho profundo para entender sobre a valorização dos serviços ambientais que a floresta oferece diariamente. A diretora ressalta a forte participação feminina no manejo do peixe no Médio Juruá.


“Fiquei muito emocionada ao perceber o quanto o manejo do pirarucu promove o empoderamento feminino. As mulheres participam de todas as etapas do processo e são as grandes especialistas na limpeza do peixe que é vendido em todo o Brasil e exportado para diversos países. É lindo demais testemunhar o quanto é visível a pauta sobre a igualdade de gênero nas comunidades ribeirinhas”, declara.


A diretora evidencia que, mais que uma atividade produtiva, o manejo do pirarucu surge para inspirar novos modelos de desenvolvimento na Amazônia, pois é um modelo ancorado no conhecimento local e no conhecimento científico, protagonizado pelas populações tradicionais. “Colocar esse modelo nos holofotes é mostrar para a sociedade que existem caminhos possíveis para a Amazônia e, ao contrário do que muitos pensam, esses caminhos estão sendo pensados pelos próprios amazônidas e não por modelos externos, importados, que pouco dialogam com a realidade local”.


Após a estreia, o filme será inscritos em festivais de cinema antes de chegar ao grande público.


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