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O Amazonas fica longe demais


A foto acima mostra doentes de Covid-19 em busca de atendimento na Unidade Básica de Saúde Nilton Lins, em Manaus (Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)

Por Lúcio Flávio Pinto - É impossível não chorar acompanhando as cenas de morte de pessoas internadas por causa da covid-19 nos hospitais de Manaus. Elas morrem asfixiadas, em grande sofrimento. É como se estivessem sendo mortas em um dos campos de extermínio montados pelos nazistas na Alemanha para acabar com o povo judeu e eliminar seus inimigos.


Por serem vítimas dos casos agudos do vírus terrível, as pessoas ficaram com seus pulmões inativos. Precisavam de respiração artificial. Mas nem do trivial (em ambientes hospitalares) cilindro de oxigênio dispunham. Seus leitos se transformaram em celas da morte, com médicos, enfermeiras e todos os técnicos de saúde ao seu lado, abalados, chocados, revoltados e impotentes.


Manaus tem 2,1 milhões de habitantes. É a 7ª cidade mais populosa do Brasil, concentrando metade da população de todo Estado amazonense. Com 1,5 milhão de habitantes, quase 20% da extensão do Brasil, o Amazonas seria o 19º maior país do mundo, à frente do Peru, o maior país da América do Sul, abaixo apenas do Brasil.

Mas sua população é só a 13ª entre os Estados brasileiros, com 2% do total. O Amazonas é o Estado mais ocidental do Brasil, o de mais difícil acesso entre todos, por sua dimensão e distribuição da população. Mas também porque, ao lado e ao longe, costumam considerá-lo o fim do mundo.


A pandemia confirmou essa condição do Amazonas com crueza, maldade e selvageria. Território livre para investidores estrangeiros, em uma zona franca, e agora aberto aos destruidores de floresta e estupradores da natureza, que avançam como predadores pelas fronteiras amazônicas, seus moradores morrem em condições primitivas. Os que estão mais doentes dependem de respiradores mecânicos, acionados por mão humana, para se manterem vivos, embora sujeitos a sequelas definitivas.


Diz-se que essa situação ignominiosa se deve à dificuldade que o Amazonas impõe à logística; que os próprios amazonenses reagiram às medidas de segurança sanitária coletiva; lockdown, nem pensar mais. Todos os fatores que podem ser arrolados retrospectivamente para explicar o quadro de horror se somam à péssima elite empresarial e política, aos aventureiros do capital e à indiferença nacional.


Era muito difícil preparar Manaus para a maré lançante do coronavírus, dizem os responsáveis pelas providências não adotadas. Mas o avião da FAB, que agora apareceu para levar as ainda vítimas – por enquanto, não fatais – da tragédia e tentar trazer oxigênio da combalida Venezuela foi acionado na emergência desesperada e pouco frutífera.

Na verdade, o Amazonas fica muito longe do Brasil. A Amazônia é, vista de Brasília, São Paulo ou Rio de Janeiro, um país distante. Mesmo quando os ecos da sua voz falam ao coração nacional, a Amazônia é o resíduo enorme de um país paquidérmico, agora comandado por brontossauros truculentos, burros e insensíveis. Artífices dessa tragédia diante de nós.

Lúcio Flávio Pinto Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

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