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Ismael Machado filma a arte engajada


Jornalista por 25 anos e hoje diretor cinematográfico, o paraense fala, em entrevista exclusiva, sobre sua produção de documentários como “Na Fronteira do Fim do Mundo e Amador, Zélia”. (Foto: Arquivo pessoal)

Floresta Urbana é o nome da produtora independente de audiovisual que o jornalista, escritor, roteirista e diretor paraense Ismael Machado, de 55 anos, criou para deixar de ser empregado e poder contar suas próprias histórias em formato cinematográfico.

Embarcaram com ele nessa jornada os três sócios, Michelle Maia, Aline Paes e Glauco Melo. O que resulta desse novo arranjo são trabalhos como o documentário Na Fronteira do Fim do Mundo, que já foi exibido no Festival de Montreal, no Canadá, e negocia a entrada no circuito de streaming. O tema é o roteiro de devastação da multinacional Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, reforçada no Pará. Segundo Machado, após os desastres ambientais causados pelo rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, a Vale tem focado prioritariamente na operação do Pará, onde fica Carajás, o maior complexo minerador da história da companhia.


Machado compara o orçamento do Estado do Pará em 2021, de 31 bilhões de reais, com o lucro da Vale no mesmo período, de 120 bilhões de reais, e se empenha em demonstrar no documentário Na Fronteira do Fim do Mundo que a Vale lucra muito e devolve pouco à sociedade paraense e brasileira. Projeto encomendado pelo Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco), o filme conta a história não pela ótica do 1% mais rico, mas sim dos trabalhadores locais ligados à Vale, que, segundo a produção, responde por apenas 1,64% dos empregos gerados no Estado. Os personagens principais do documentário são líderes indígenas, pequenos agricultores, ex-funcionários da Vale, ex-garimpeiros, cidadãos assentados e sem-teto, integrantes do Movimento de Trabalhadores Desempregados da Vale.


O cenário principal é a cidade de Canaã dos Carajás, desmembrada de Parauapebas, no sudeste paraense, em 1994, quando o governo Fernando Henrique Cardoso preparava a privatização da então Companhia Vale do Rio Doce, estatal criada em 1942 pelo presidente Getúlio Vargas. Segundo explica a economista Maria Amélia Enriquez no filme, formou-se em Canaã dos Carajás uma cidade monoindustrial, totalmente dependente da existência de minério (e importadora de todo tipo de produto, inclusive os derivados da própria mineração). Para mostrar o que acontece quando o ciclo se acaba, o documentário vai a Serra Pelada entrevistar ex-garimpeiros, que mostram o que restou da febre do ouro na região.


Ismael Machado é diretor também do premiado curta-metragem Amador, Zélia (2021), pela Floresta Urbana, sobre a atriz, educadora e ativista negra paraense Zélia Amador de Deus, uma reivindicação de visibilidade para ativistas, intelectuais e artistas da Amazônia. Na entrevista exclusiva para a Amazônia Real, o cineasta fala sobre a excelência da sociedade paraense e amazônica, sobre seus trabalhos documentais e de ficção e sobre o boom cinematográfico vivido na região a partir da descentralização de recursos promovida na década passada com a instauração do Fundo Setorial do Audiovisual e outras políticas do hoje extinto Ministério da Cultura, extintas e/ou combatidas pelo governo em exercício.

“A gente precisa que todas as possibilidades de contar as histórias sejam feitas. Tem muita gente contando histórias no Pará”, defende.


Ismael Macahado no set de filmagens do documentário “Amador, Zélia”, em Belém – Pará (Foto: Arquivo pessoal)

Amazônia Real – Como começou sua história com o cinema?


Ismael Machado – Sou formado em Letras e em Turismo. Comecei como jornalista em 1991, quando saí de Belém e fui morar em Campo Grande (MS) por conta do Collor. Estava cursando a universidade, e por conta do confisco do Plano Collor eu fui para o buraco. Fui fazer uma entrevista de emprego e a recrutadora disse: “Teu lugar não é aqui”. Pegou o telefone na minha frente mesmo e disse que era para procurar o editor de economia no Jornal da Serra para fazer um teste. Abandonei o curso de Psicologia, fui para a redação e fiquei 25 anos trabalhando como jornalista. Saí das redações em 2014, como consequência de uma greve no Diário do Pará, onde eu trabalhava como repórter especial. Começou a haver uma série de perseguições contra quem participou da greve e ficou impraticável. E agora estou com o audiovisual há quase oito anos, trabalhando como roteirista e diretor. Mas a ideia é a mesma: contar histórias. Recebi convite para trabalhar no projeto de uma série de ficção e acabei me mudando para o Rio de Janeiro, onde estou desde 2015. E faço doutorado em Cinema na Universidade Federal Fluminense, tendo a guerrilha do Araguaia como tema, a partir de três filmes, um deles Soldados do Araguaia (2017), de que fui roteirista, dirigido por Belisario Franca. É uma memória que foi suprimida. Durante muito tempo, não existiu a guerrilha no Araguaia. O Exército brasileiro negou, a tradição negacionista não vem de hoje.


Amazônia Real – Você é paraense de onde?


Ismael – De um lugar chamado Icoaraci, conhecido por sua cerâmica marajoara. Lá, nos anos 1980, tive uma banda de rock chamada Falsos Adeptos. Escrevi um livro sobre o rock paraense dos anos 1980, Decibéis sob Mangueiras – Belém no Cenário Rock Brasil dos Anos 80 (2004). O rock paraense é muito interessante. Detesto ter que falar do cara, mas a primeira banda efetivamente de heavy metal no Brasil é uma banda de Belém, o Stress. O primeiro disco deles é de 1982. Pena que o cara da banda (Roosevelt Bala) se tornou bolsonarista daqueles mentecaptos. Infelizmente, o pessoal do heavy metal, em vez de ser libertário e progressista, vira umas coisas conservadoras. Vou apanhar do pessoal do rock depois desta entrevista (ri), mas é a verdade. Mas Icoaraci é um distrito de Belém, conhecido como a Vila do Sorriso. Fica longe demais da capital e ao mesmo tempo muito perto. Faz parte de Belém, fica a uma hora ou uma hora e meia de distância, mas parece que tem alguma coisa na água de lá. Um dos primeiros e mais importantes grupos de teatro de Belém dos anos 1960 para cá começou em Icoaraci, o Gruta. A primeira banda punk de Belém é de Icoaraci, chamada Insolência Públika. Não chamo de periferia, porque Icoaraci não é um bairro periférico, é maior que muitos municípios no Pará, mas o pessoal não quer emancipar. É um distrito que merecia ser município.


Amazônia Real – Seu curta Amador, Zélia, é apoiado pela Associação dos Artistas Visuais do Sul e Sudeste do Pará. Que organização é essa?


Ismael – Esse curta foi contemplado na Lei Aldir Blanc, é um projeto da nossa produtora, chamada Floresta Urbana, que tem quatro sócios, Michelle Maia, Aline Paes, Glauco Melo e eu. Trabalhávamos com produtoras maiores, e algumas queriam reproduzir a ideia de patrão e empregado. A gente passou por situações de assédio, então resolvemos encarar, meter a cara. E quem ia fazer a avaliação da Lei Aldir Blanc é essa associação, nomeada pela Secretaria de Cultura de Belém do Pará. E esse projeto ganhou. Zélia Amador é uma das figuras que mais admiro na vida. Ela perpassa minha história de vida indiretamente. Quando era adolescente, eu ia assistir peças em que ela era atriz. Quando fui para a universidade, ela estava ali como vice-reitora. Depois ela virou minha fonte jornalística. Recorria a ela quando era alguma coisa ligada a questões raciais. A gente fez um curta que já foi selecionado em quatro festivais e acabou de ganhar como melhor roteiro de curta-metragem no 10º Festicine Pinhais, no Paraná. Nosso novo documentário é Na Fronteira do Fim do Mundo, que fala dos impactos da mineração da Vale no Pará. Esse é mais pesado, aborda essa questão mais virulenta, e foi selecionado no Festival de Montreal. Amador, Zélia é sobre essa mulher pobre que vem do Marajó, tem dificuldade para estudar, passa por racismo desde a infância, vira militante contra a ditadura, depois entra no movimento teatral e enfrenta censura, depois é uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará e uma das criadoras das cotas raciais na universidade no Pará. A trajetória dela sintetiza muito nossa história recente. É um filme amoroso.


Amazônia Real – Na Fronteira do Fim do Mundo está pronto?


Ismael – Está pronto. A gente foi convidado pelo Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará, que tinha feito com a Universidade Federal do Pará um estudo sobre os impactos da mineração. A ideia era de que a mineração lucra muito e devolve pouco em tributo e impostos. Nos deram carta branca para contar a história. A gente fez o filme contando a história da mineração no Brasil e como ela está ligada com a ditadura no Pará. Ela faz parte disso. Vamos contando a partir de personagens como uma liderança indígena, pessoas das comunidades rurais afetadas, gente que vai ser expulsa da terra porque o trem vai passar por ali. Ele está inscrito em festivais internacionais, e por conta disso a gente está segurando ainda, mas a partir do segundo semestre vamos começar a negociar com o streaming. Nessa coisa de pós-Mariana e pós-Brumadinho, vou te dar um dado que a gente coloca no final do filme: só no primeiro semestre de 2021, a Vale tinha lucrado 71 bilhões de reais, e o orçamento do estado do Pará no ano todo de 2021 foi de 31 bilhões de reais. Ao final do ano, o lucro da Vale foi de 120 bilhões de reais. Depois de Mariana e Brumadinho, agora o Pará é onde a Vale mais está atuando. Esse filme fala dessa discrepância, do que ela ganha e do que ela deixa. Como diz uma das personagens, ela deixa um imenso buraco, um túnel sem luz no final. É incrível, em todos os sentidos a Amazônia deveria ser olhada como o centro do mundo: culturalmente, politicamente, ecologicamente, economicamente. Ela deveria estar no centro de todas as discussões, mas as discussões são sempre periféricas na Amazônia. E agora piora, porque nosso desgoverno atual olha para a Amazônia de uma forma como se olhava 50 anos atrás, e apoiado por ruralistas que visam apenas seu próprio bolso. Um filme desses é um tijolinho que a gente coloca nessas discussões. Não podemos esquecer que dá para fazer as duas coisas, entretenimento e algo mais.


Amazônia Real – É o primeiro longa-metragem que você assina como diretor?


Ismael – Sim. Como roteirista, não, já tenho Soldados do Araguaia, que foi baseado em reportagens que eu havia produzido no Diário do Pará, e Nazinha, Olhai por Nós (2021), uma ideia originalmente da Michelle, de olhar o Círio de Nazaré. Então é o terceiro, mas como direção é o primeiro.


Amazônia Real – O documentário tenta responder para onde vai todo esse lucro da Vale? Para que países, instituições, pessoas?


Ismael – Pois é, a Vale tem ações na Bolsa de Nova York, então vai para acionistas do mundo inteiro. Não fica quase nada para o Brasil. Uma professora que fala no filme diz assim, categórica: “A Vale manda no Brasil”. Na verdade, a Vale manda nas políticas públicas relacionadas à questão mineral. É difícil até mensurar quão impactante é isso. Ao mesmo tempo, os municípios recebem migalhas, e essas migalhas acabam sendo muito para quem tinha pouco, e aí o pessoal defende a Vale. O sonho é trabalhar na Vale. Ela usa isso, inclusive, como uma moeda de chantagem. E ela cria uma elite local, e essa elite local é que vai defendê-la. É uma lógica muito perversa, com base no latifúndio, na monocultura, na mono indústria. Tem esse comercial do “agro é tudo, agro é pop”, mas não é o agronegócio que coloca comida na mesa. São as pequenas famílias, é a pequena agricultura familiar. Esse grande agronegócio faz soja, e a soja atualmente patrocina conflitos agrários no Brasil, no Pará, na Amazônia, para uma coisa que não é alimento na mesa.


Vista aérea do complexo S11D, projeto controlada pela Vale, em Carajás (PA) (Foto: Ricardo Teles/ Agência Vale)

Amazônia Real – O que a Vale tem a ver com a exacerbação dos incêndios e desmatamentos que marcam o governo Bolsonaro?


Ismael – Não posso ser leviano, mas acho que a Vale gosta dessa lógica. Uma lógica na qual não há barreiras de legislação ambiental, ou de qualquer legislação, para quem tem o poderio de uma Vale é o sonho dourado. Bolsonaro é o cara que praticamente destruiu Ibama, Incra, as barreiras, as entidades que poderiam legislar e normalizar as coisas. O desgoverno atual é contra qualquer coisa assim. Então é uma festa para quem quer ficar na ilegalidade. Não tem barreira ambiental, os relatórios de impacto vão virar para inglês ver, as consultas públicas estão todas nos “States”. O Congresso começa a elaborar projeto de lei permitindo garimpo em áreas que não devia, diminuindo a reserva de mata nas propriedades. A gente não aprende, vai ser sempre outro desastre.


Amazônia Real – Há uma personagem de Amador, Zélia que fala sobre a Amazônia afro-ameríndia. O que tudo que você está relatando causa à Amazônia afro-ameríndia?


Ismael – É bonita essa frase, é a atriz Wlad Lima que afirma que Zélia representa o fazer teatral das mulheres afro-ameríndias. A Amazônia poderia ser solução. Fiz uns roteiros para uma série ainda inédita chamada Made in Floresta, de uma produtora de Belém, falando sobre coisas que vêm da floresta e se tornam produtos comercializáveis. São as populações tradicionais, indígenas, quilombolas que vivem a ideia de uma sociedade amazônica voltada para a floresta e não contra a floresta. Tem uma outra série que fiz, Ubuntu – A Partilha Quilombola, no Canal Futura, com 13 episódios. A ideia era mostrar novos modelos econômicos de 13 comunidades quilombolas no Pará. Tem umas coisas sensacionais. A gente tem uma maneira de se referir às coisas, nossos próprios verbos usados são complicados, “vamos explorar”. Havia um comercial dos anos 1970 da Volkswagen, que foi uma das patrocinadoras da ditadura, teve relação com o trabalho escravo no Pará. Aparece a Transamazônica sendo construída, árvores caindo, e no texto o cara falando em “vencer esse inferno verde”. No final, muda a música e lá vem um fusquinha no meio da Transamazônica. É um comercial violento, porque a primeira cena é uma árvore caindo. A gente olhar para a floresta como se fosse um inimigo, como se fosse algo a vencer e explorar, é não olhar como uma possibilidade de convivência. A gente poderia aprender com os afro-ameríndios que as coisas estão e podem continuar ali.


Amazônia Real – Você é afro-ameríndio?


Ismael – Rapaz, acho que sou. Acho que sou mais ameríndio do que afro. Meus pais são nordestinos, minha mãe do Maranhão, meu pai do Piauí. Nunca fui muito atrás dessa árvore genealógica, me arrependo de não ter buscado mais quando meus pais estavam vivos. Eles falavam pouco, só sei que minha mãe conheceu Lampião quando era criança. Lampião deu um prato de comida para ela. Pelo que vejo dos parentes é uma mistura muito louca, acho que a família é afro-ameríndia, sim. Tem muita gente com uma cara mais índia.


Amazônia Real – Como você vê o cinema paraense e amazônico atual?


Ismael – A gente passou por um período muito legal. Ali por 2014 a gente estava começando a viver os efeitos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que explodiu a partir de 2013, com descentralização e regionalização. Se a gente for um pouco mais atrás, Gilberto Gil, no Ministério da Cultura (MinC), tinha ideia de um Brasil mais profundo e diverso na cultura. O que aconteceu? O FSA impulsionou que Pará, Maranhão, Amapá, Rondônia, Amazonas, Acre começassem a produzir. Então surgiram roteiristas, produtores e produtos disso. A gente ainda vive na influência desse boom, que sofreu uma quebra a partir do Michel Temer. Quando ele colocou Sérgio Sá Leitão no MinC e esse coloca Christian de Castro para ser o cara da Ancine, a gente teve uma derrocada. A lógica neoliberal do audiovisual deles reproduzia a lógica da concentração de terras no Brasil, ou seja, de privilegiar grandes empresas do eixo Rio-São Paulo e algumas coisas que fugissem disso, mas grandes produtoras. Vi uma entrevista do Fernando Meirelles dizendo que estamos vivendo um período maravilhoso do streaming, mas são essas grandes produtoras que estão tendo acesso a isso. Para as pequenas produtoras, houve um corte a partir de 2018. Se a gente tem uma série sobre quilombolas no canal Futura, foi com dinheiro do FSA. Estamos finalizando as filmagens agora do último documentário de que participei sem ser da Floresta Urbana, uma série documental chamada Olhares do Norte, sobre fotografia. A fotografia paraense é uma escola, alguns dos maiores fotógrafos brasileiros estão no Pará. Ganhamos recursos em 2018 e ficou embargado por este governo, só conseguimos que ele fosse feito agora. Agora está sendo filmado, é de 2017.


Amazônia Real – Qual tem sido o papel da Lei Aldir Blanc?


Ismael – A quantidade de produtos culturais que estão saindo por conta da Lei Aldir Blanc é sensacional. Mas a gente percebe que existe uma resistência de grandes produtoras de Rio e São Paulo à descentralização e à regionalização. O meu pirão tem que ser sempre primeiro, então no máximo vamos empregar vocês. Eu não quero ser empregado, quero produzir as nossas histórias. Foram liberados editais da Ancine agora, estamos entrando com produções nossas, de ficção, ideias bem bacanas. Zélia Amador é muito mais importante ou tão importante quanto muitas pessoas que são incensadas por seu ativismo negro. Por que ela não é tão falada como pessoas que fizeram até menos do que ela? Porque estava no Pará. A gente precisa quebrar isso. Um dos maiores escritores de literatura policial hoje do Brasil é de Belém, Edyr Augusto. Se a gente parar para pensar, a gente tem uma série, um dos músicos mais sensacionais que o Brasil tem hoje é Pio Lobato. Na gastronomia tem o Thiago Castanho. Marcelo Damásio está levando o (festival musical) Se Rasgum para a Europa. A gente precisa que todas as possibilidades de contar as histórias sejam feitas. Tem muita gente contando histórias no Pará.


Amazônia Real – Inclusive de ficção?


Ismael – Tem muita gente, muita gente legal. Aí esbarra na questão da distribuição, como tudo no Brasil. O Fundo Setorial possibilitou o surgimento de muita gente, conheço gente que se especializou em fazer clipes, webséries, tem uns que são sensacionais. A gente está batalhando. A gente vai terminar de filmar Olhares do Norte, vai ser uma série belíssima sobre fotografia, sobre arte, sobre os fotógrafos do Pará, que são maravilhosos, Miguel Chikaoka, Elza Lima, Nailana Thiely, Dirceu Maués, Paula Sampaio, gente sensacional, que trouxe um olhar novo para a fotografia no Brasil. É legal, a gente está num lugar que tem seus autores, músicos, cineastas, jornalistas, enfim. A gente precisa de um patamar de igualdade, nem mais, nem menos.


Amazônia Real – Além de tudo que você mencionou tem outros projetos de cinema em execução ou na cabeça?


Ismael – A gente ganhou Lei Semear com um documentário sobre rock de Icoaraci, o Vila Sorriso do Rock. Acabou de sair o resultado, a gente tem que correr atrás de grana. Estamos na expectativa do edital da Ancine, temos três longas de ficção com roteiros meus e um documentário. Um é um road movie, Uma Velha Canção Rock’n’Roll. Outro é um suspense, um thriller, chamado Breu, ambientado no Pará, em Bragança, num bairro mais periférico ainda, Terra Firme. É uma coisa meio Flashdance, um casal que faz dança de rua num lugar que foi palco de uma chacina, onde eles tentam sobreviver da dança.

São histórias de lá, do Pará. Tomara que a gente ganhe um. Temos um documentário sobre um assentamento pioneiro do MST no Pará, os caras vão completar 25 anos, o orçamento está em aprovação. A gente faz arte engajada, como cidadãos de esquerda. Eu me considero isso, um cidadão de esquerda, não necessariamente de um partido específico.

Mas é impossível para mim não ser de esquerda no Brasil atual. Não dá, é um período muito catastrófico. Meu filho mais novo está fazendo jornalismo agora, às vezes fico pensando ‘que difícil ser jornalista agora’. O mais velho também é jornalista, mas fez outro caminho, pegou mais a coisa das redes sociais, faz assessoria para o sindicato dos petroleiros, está sendo pago para falar mal do Bolsonaro (ri). Mas é difícil, a gente fala uma coisa aqui, daqui a pouco já está ameaçado de morte. A gente perdeu a capacidade de encarar o outro como adversário. Bons tempos em que o nosso adversário era o PSDB. Imagina, ter de um lado Fernando Henrique Cardoso ou José Serra e do outro Lula discutindo. Gente, ter que discutir com uma figura como esse cidadão aí, que nem é um cidadão, é o fim da picada, a barbárie completa. Mas também expôs o que é o Brasil.

Pedro Alexandre Sanches Formado pela ECA-USP, Pedro Alexandre Sanches é jornalista paranaense trabalhando em São Paulo desde 1995. Especializado no jornalismo cultural, foi repórter da Folha de São Paulo e repórter e editor de cultura da CartaCapital. É editor-fundador do site de música e cultura Farofafá (www.farofafa.com.br) e atua como colaborador em diversos veículos. Escreveu os livros Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba (2000), Como Dois e Dos São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa) (2004) e Álbum (2021).


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