Nunca antes tantas pessoas de fora do mundo científico acompanharam tão de perto o desenvolvimento de uma vacina. Não é para menos: com mais de 203 mil mortos pela covid-19 no Brasil e números crescentes de contágio, a chegada de um imunizante é vista como esperança. A avalanche de informações, contudo, deixa muita gente perdida.
Nesta terça-feira (12), o Instituto Butantan apresentou novos dados sobre a eficácia da CoronaVac, uma das vacinas que deve estar disponível para os brasileiros. De acordo com os resultados, o imunizante possui eficácia global de 50,3%. Na semana passada, um outro número havia sido apresentado: 77,9% para a prevenção de casos leves. A primeira vista, a "redução" parece estranha, mas não é. Isso porque os dados de eficácia global consideram todos os infectados pelo vírus, mesmo aqueles que tiveram sintomas muito leves, que sequer precisaram procurar um médico.
"Estamos muito satisfeitos com o resultado da CoronaVac. Ter uma vacina que reduz o risco de infecção por covid em 50% é muito bom, melhor ainda se chega a quase 78% de redução nos casos em que há alguma procura pelo serviço de saúde", diz o professor Gustavo Romero, diretor da Faculdade de Medicina da UnB e coordenador do ensaio clínico da CoronaVac feito no Distrito Federal.
A UnB, em parceria com o Hospital Universitário (HUB), foi um dos 16 centros que participaram dos testes de eficácia e segurança da fase 3, na qual é avaliada principalmente a eficácia do imunizante, comparando-a com a aplicação de placebo em um grupo controle. Segundo o Butantan, a vacina é segura, com a maioria de reações associadas a inchaço e dor no local da aplicação e somente 0,3% dos participantes relatando reações alérgicas cuja frequência não foi significativamente diferente entre os que receberam vacina e os que receberam placebo. Nesta entrevista, o professor Gustavo explica a importância dos resultados divulgados:
Todos os dias, lemos notícias sobre a eficácia de diferentes vacinas. Isso significa que uma é melhor do que a outra?
Os resultados de ensaios clínicos desenvolvidos por diversas instituições ou companhias farmacêuticas não são facilmente comparáveis. No caso da CoronaVac, nós consideramos no estudo todos os casos suspeitos de covid, inclusive os muito leves. Isso significa que o voluntário que apresentasse qualquer sintoma, ainda que muito leve, e um teste positivo para covid-19 já era considerado como tendo o desfecho principal do ensaio. E isso não é necessariamente válido para os ensaios feitos pelas outras empresas e centros de pesquisa. Por isso não podemos fazer uma comparação simples e concluir que uma vacina é superior a outra.
O que quer dizer eficácia global de 50%? Para muitas pessoas, é como dizer que, de 100 vacinados, metade terá a imunidade.
Não é isso. Uma eficácia global de 50% significa que as pessoas imunizadas têm 50% menos risco de se infectar e ter sintomas da covid-19. Por exemplo, se, na população, o risco de infecção é de 5%, ele cai a 2,5% com a vacinação. Não são números absolutos, é a proporção de redução do risco. Estamos muito satisfeitos com o resultado. Ter uma vacina que reduz o risco de infecção por covid em 50% é muito bom, melhor ainda se a eficácia alcança quase 78% reduzindo o risco nos casos em que há necessidade de procurar pelo serviço de saúde. Finalmente, é digno de nota que, até o momento, os casos mais graves (sete casos) só foram observados no grupo que recebeu placebo.
Quantas pessoas participaram do estudo no DF e como elas estão sendo acompanhadas? Quantas se infectaram em cada grupo de estudo?
Foram 946 voluntários. Não temos ainda esse detalhamento. A partir do momento em que a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] der o registro da vacina, a coordenação do estudo vai entrar em contato com cada um dos participantes para perguntar se eles querem ter conhecimento sobre se receberam a vacina ou placebo. Com essa informação, os que receberam o placebo poderão ter a opção de ser vacinados. Todos serão acompanhados por 12 meses, conforme previsto no protocolo da pesquisa. Há um número pré-estabelecido de visitas ao HUB, para que eles tragam informações sobre como estão se sentindo e façam a coleta de amostras de sangue. Os participantes também devem informar caso sintam qualquer sintoma ou reação.
Quantas pessoas da UnB e do HUB estiveram envolvidas no ensaio?
No total, fomos 47 pessoas. Eu e outros três professores – Alexandre Soares e Elza Noronha, que é também superintendente do HUB, ambos da Faculdade de Medicina, e Dayde Mendonça da Silva, que é da Faculdade de Ciências da Saúde. O farmacêutico Fernando de Oliveira, que lidera a área de pesquisa clínica do HUB, também participou da coordenação dos trabalhos. Há também um enorme grupo de técnicos, de diversas áreas: enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de laboratório, tanto com vínculo com a UnB quanto com a Ebserh [Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que faz a gestão do HUB], todos eles coordenados diretamente pela enfermeira Isabela Nunes. Há, ainda, vários bolsistas, que são egressos da UnB. Eles têm no projeto a oportunidade de se qualificar em pesquisa clínica, tanto se quiserem seguir carreira acadêmica quanto se quiserem partir para um curso de residência.
O senhor trabalha há alguns anos com o desenvolvimento de vacinas para a dengue. Vem daí a relação com o Instituto Butantan?
Sim, nós já temos há alguns anos parceria com eles, justamente para o estudo da vacina da dengue, que ainda não tem resultados definitivos, uma vez que a incidência da doença é menor e há quatro tipos do vírus em circulação no país, o que exige um período de acompanhamento após vacinação de pelo menos cinco anos. A nossa experiência com as pesquisas sobre dengue nos qualificou para estar neste ensaio da CoronaVac. Como já participamos de um estudo grande, multicêntrico, tínhamos a familiaridade e a capacidade necessária para executar esse estudo de maneira rápida e eficaz.
Fonte: UnB Noticias
Comments