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Caos na Pandemia: Sem ouvir alertas de cientistas, Wilson Lima relaxa restrições no Amazonas


Por Leanderson Lima - Na contramão da comunidade científica, que defende medidas como o lockdown (bloqueio total) para conter o avanço da transmissão da Covid-19 no Amazonas, o governador Wilson Lima (PSC) anunciou nesta sexta-feira (5) o relaxamento da restrição de circulação de pessoas nas ruas de 24h para 10h – isto é das 19h às 6h. O governo justifica que a taxa de transmissão do novo coronavírus caiu nas últimas semanas de 1,30 para 1,10, uma queda de 15,3%. “Significa dizer que cada 100 pessoas transmitem para 110 e não mais para 130”, explicou o diretor-presidente em exercício da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), Cristiano Fernandes da Costa.


A flexibilização da circulação de pessoas nas ruas começa a vigorar a partir de segunda-feira (8) com validade de sete dias em todo o estado, que tem uma população de 4,2 milhões de habitantes (segundo o IBGE) e enfrenta a maior crise sanitária da sua história com pacientes morrendo por falta de leitos nas UTIs e por falta de oxigênio. Uma Nota Técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia aponta que, em janeiro, uma nova variante de Sars-CoV-2 (que causa a Covid-19), a P.1, foi identificada em 91%, dos genomas sequenciados no Amazonas.


O Índice de Isolamento Social, desenvolvido pela plataforma Inloco para auxiliar no combate à pandemia da Covid-19 , diminuiu: hoje, a taxa no Amazonas é de 50,1%. No dia 24 de janeiro, quando o governo anunciou o lockdown parcial, a taxa de isolamento era de 59,3%.


Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, a variante P.1 não pode ser responsabilizada por todo o caos no sistema de saúde do estado. “Essa questão de você atribuir a culpa praticamente integral do colapso que nós tivemos agora na rede médico-assistencial, ao novo coronavírus, é falácia pura. O novo coronavírus foi detectado no Japão, na Inglaterra, nos Estados Unidos e em tantas outras regiões do Brasil. Por que não explodiu dessa forma nesses lugares? Por que não teve colapso da rede médica hospitalar?”, questionou o pesquisador, que classificou a situação da pandemia no estado como uma “catástrofe” em reunião na semana passada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).


Sobre a taxa de transmissão, que teve uma queda de 15,3% nas últimas semanas, o epidemiologista afirma que o cenário atual não é de relaxamento das medidas de restrições no Amazonas. “O que nós temos visto, na realidade, é uma grande disseminação viral em dezembro, que ganha força, porque a taxa de contágio é uma taxa de contágio com crescimento exponencial, então, quando você começa a ter 100 pessoas infectadas, para que estes 100 virem mil é muito rápido”.


Em setembro de 2020, pesquisadores da Fiocruz e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) alertaram ao governo que o Amazonas teria uma segunda onde, fato que foi ignorado por Wilson Lima.


No dia 23 de dezembro, o Comitê de Enfrentamento à Covid-19 do Governo do Amazonas apontou um elevado número de casos do novo coronavírus e ocupação de quase 100% dos leitos clínicos e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na rede hospitalar estadual e privada de saúde. Lima fechou o comércio e os serviços essenciais, mas deixou a indústria aberta. Após um protesto no dia 26, ele recuou e abriu o comércio para as festas do Ano Novo.


No dia 29 de dezembro, segundo o Informe Funerário da Prefeitura de Manaus, 52 enterros foram realizados em cemitérios públicos de Manaus, sendo nove como causa da morte a Covid-19 e as demais ocorreram por parada cardíaca e respiratória, além de doenças relacionadas à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).


No dia 2 de janeiro, o juiz plantonista Leoney Figliuolo Harraquian determinou o fechamento do comércio e serviços essenciais por 15 dias e autorizou, inclusive, o uso da força policial e multa diária de R$ 50 mil em nome do governador Wilson Lima.


No dia 4 de janeiro, o governo do Amazonas anunciou que o estado estava na fase roxa, pois os casos de Covid-19 tiveram um aumento entre os meses de novembro e dezembro de 120% em Manaus e 47% nos 61 municípios do Estado.


No dia 10 de janeiro, o governo do Japão anunciou que detectou em seu território uma nova variante do coronavírus em quatro viajantes que vieram do Amazonas.


O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello lançou no dia 11 de janeiro do lançamento do Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 no Amazonas, ocasião em que o estado já enfrentava o colapso no sistema de saúde com falta de leitos de UTI e até oxigênio nos hospitais devido à pandemia. O ministro recomendou o tratamento da doença com medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente, remédios que estavam sendo doados pelo prefeito de Manaus, David Almeida (Avante).


“Ouvi do David [prefeito de Manaus David Almeida] falar aqui sobre tratamento precoce. Senhores, senhoras, não existe outra saída. Avisei ao Wilson [Lima], ontem (10/01) que hoje eu seria um pouco mais incisivo em algumas palavras”, disse. “Nós não estamos mais discutindo se esse ou aquele profissional concorda. Os conselhos federais e regionais de saúde já se posicionaram. Os conselhos são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico. Eu conversei pessoalmente, por vídeo, com todos eles”, completou o ministro.


Na madrugada do dia 14 de janeiro uma tragédia iniciou em Manaus com pacientes de Covid-19 morrendo asfixiados por falta de oxigênio dentro das UTIs dos hospitais públicos 28 de Agosto, Platão Araújo e Getúlio Vargas. O Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam) estimou que de 20 a 40 pessoas foram a óbito sufocados.


Do dia 25 a 31 de janeiro, o governo estadual decretou um “lockdown” parcial após ser cobrado por cientistas e pela Procuradoria Geral da República (PGR). A medida permaneceu por mais sete dias.


“Então não é bem assim, ‘a culpa é da variante. Se não fosse a nova variante não teria passado por isso, não é isso. Se você lembra o que aconteceu em dezembro, com aquele relaxamento total, aquelas festas, despedida de fim de ano, festa clandestina, amigo oculto, comércio entupido de gente em Manaus, nos primeiros quinze dias de dezembro, na segunda quinzena de dezembro, também, então claro que você tem essa nova variante, que acaba influenciando, sem dúvida, para esse crescimento, exponencial explosivo do número de casos, e consequentemente de pacientes graves e de mortos mais adiante”, avaliou Jesem Orellana.


Desde o início da pandemia no Amazonas, em 13 de março, até o dia 4 de fevereiro foram diagnosticados 278.789 casos do novo coronavírus no Estado e 8.815 mortes, conforme o boletim diário da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), sendo 99 até ontem. A Prefeitura de Manaus informou que fez hoje 62 sepultamentos de óbitos por Covid-19.


Apesar de anunciar as medidas de relaxamento neste momento crítico da pandemia, o governador Wilson Lima disse que pode rever a decisão durante a semana se não houver estabilização dos casos. “Há possibilidade de durante a semana, se a gente não tiver, ou pelo menos não continuar a estabilização dos casos (há a possibilidade) do governo do Estado rever essas medidas que estamos tomando. Vai depender muito do comportamento dos números. É importante que todo mundo tenha consciência de que precisa assumir sua responsabilidade. Não adianta o estado tomar qualquer decisão e atitude se não houver cooperação de todos”, disse.


Indústria aberta 24h

Fábricas de motocicletas na Zona Franca (Foto divulgação Moto Honda)

O Polo Industrial de Manaus (PIM), que emprega uma média de 91,8 mil trabalhadores (entre efetivos, temporários e terceirizados), retomará as atividades por 24h, com ajuste de turnos para não haver deslocamento entre 19h às 6h. Coleta e entrega de cargas para as indústrias também retomam suas atividades entre 6h e 18h. No lockdown parcial o setor ficou aberto por 12 horas.


No novo decreto, o comércio estará funcionando apenas para venda pela internet, telefone e whatsapp, no sistema de delivery, das 8h às 17h. As assistências técnicas de fogões, geladeiras e aparelhos de ar condicionado, com conserto em domicílio, estarão liberadas de 8h às 17h. As assistências técnicas de aparelhos de celulares também foram liberadas no sistema de delivery, assim como empresas que atuam no controle de pragas.


Estão liberadas obras em áreas da saúde, indústria e infraestrutura como aeroportos, rodovias, ramais pontes e viadutos, portos, petróleo, gás e similares. Também estão permitidas obras emergenciais de reparos em infraestrutura básica, de segurança viária e predial. Lojas de conveniência poderão funcionar até às 18h, sem consumo no local.

Restaurantes e bares têm funcionamento de 6h às 22h para delivery e também podem funcionar no sistema de drive thru de 6h às 18h.


Pesquisador alerta para 3a. onda


Familiares reclamam da falta de oxigênio para seus pacientes internados no hospital (Foto: Sandro Pereira/FotoArena/EstadãoConteúdo/14/01/2021)

Lucas Ferrante, doutorando do programa de biologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), foi um dos pesquisadores que alertou para a segunda onda da pandemia da Covid-9 em setembro de 2020. Ele criticou o relaxamento das medidas determinadas pelo governo Wilson Lima e alertou, inclusive, para a possibilidade de uma terceira onda em Manaus. “Neste momento, recomendamos um lockdown extensivo com o fechamento inclusive do Distrito Industrial e supermercados. Manaus precisa de uma taxa de isolamento superior a 90% ou teremos uma terceira onda. É extremamente necessário que o isolamento social aumente, porque se o vírus continuar circulando na população de Manaus, nós podemos ter, inclusive, novas mutações propiciando o surgimento de uma linhagem resistente à vacina. Então, neste momento precisamos de isolamento social total de Manaus, e de uma campanha de vacinação massiva da população. Essa flexibilização deve ser investigada e o Ministério Público do Estado do Amazonas deve intervir imediatamente. Essa abertura não pode ser permitida. O governador tem que ser responsabilizado por isso”, disse.


O isolamento mais severo também é defendido pelo médico-infectologista e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Bernardino Albuquerque. Tínhamos que fazer um sacrifício maior de ampliar o tempo dessas medidas no sentido de tentar conter a transmissão de forma mais efetiva. Temos um grande aliado, a questão da vacina, infelizmente a vacinação ela não vem ocorrendo na velocidade que deveria ocorrer. A vacina teria que ser uma operação de guerra, no que diz respeito de num curto espaço de tempo ter uma cobertura maior. Mas aí temos que conviver com vários problemas, temos a questão da disponibilidade dessas vacinas. Se recebe a primeira (dose), não sabe quando vai receber a segunda, e isso é uma coisa muito difícil de conviver. O próprio governo federal não se programou como deveria para disponibilizar à população brasileira um quantitativo de vacinas que pudesse fazer essa cobertura vacinal de uma forma mais eficiente possível”, aponta.


Tabatinga, na fronteira, está em situação crítica


Médico de Tabatinga foi transferido para o Acre (Foto: SES-AM)

Com 100% dos leitos clínicos e de UTIs lotados nos hospitais de Manaus, o Ministério da Saúde passou a coordenar junto com o governo a transferência de doentes para outros estados do país.


Com a rede hospitalar da capital colapsada, o interior também passa a ser o novo foco de atenção. Os hospitais dos 61 municípios não têm UTI. “O que os números estão mostrando desde o início de janeiro é a possibilidade de se concretizar uma segunda onda nas áreas do interior. Tivemos toda a situação vivenciada na capital, consequentemente teve ressonância nos municípios aqui do entorno, e hoje já vivenciando outros municípios mais distantes como Tabatinga, Tefé, Itacoatiara, Coari, ou seja, a perspectivas não são muito boas, porque nós temos aí todo o conhecimento das dificuldades, não só de acesso dessa população, aos serviços de saúde, mas também a dificuldade de acesso à capital”, lembra Bernardino Albuquerque.


O médico-infectologista aponta o município de Tabatinga (a 1.105 quilômetros de Manaus), localizado na tríplice fronteira de Brasil, Peru e Colômbia, como a cidade que tem a situação mais crítica depois de Manaus.A informação que temos é que Tabatinga está com uma situação grave, novamente, inclusive já fazendo a questão do remanejamento de pacientes para Manaus, principalmente, por via judicial. Manacapuru também está com sua situação agravada. Presidente Figueiredo, Itacoatiara, Parintins, com o aumento do número de casos. Vamos ver se com essas medidas de contenção, principalmente no interior do Estado, nós possamos ter uma diminuição da transmissão e consequentemente, diminuição de casos, e casos graves. Mas são situações que realmente preocupam”, diz Albuquerque.

Vacinação na aldeia indígena Umariaçu 1, em Tabatinga, no Amazonas. (Foto Marcello Camargo/ABr)

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