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Brasil: meio ambiente sob ataque no governo Bolsonaro


Por Marcelo Dutra da Silva e Philip Martin Fearnside - Em 29 de setembro foi publicada na prestigiosa revista Environmental Conservation a versão em inglês do texto que segue sobre a ameaça ao meio ambiente no Governo Bolsonaro [1]. A publicação em inglês está disponível aqui.


A escalada das ameaças ambientais no Brasil é inédita na história sob o governo presidencial de Jair Bolsonaro. Com a ciência sob ataque e instituições e políticas públicas sendo desmanteladas, a destruição do meio ambiente avança em ritmo acelerado. A degradação ambiental não surgiu sob Bolsonaro: data da primeira chegada dos europeus ao Brasil e continuou ao longo dos séculos, com sucessivos picos de desmatamento.


Quando o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2019, seu governo rapidamente se tornou uma ameaça aos ecossistemas florestais brasileiros, aos povos nativos da floresta e à sustentabilidade agrícola [2-5]. O Brasil pode perder mais de US$ 1 bilhão por ano em produção agrícola se o desmatamento na Amazônia não for contido [6].


A instalação do governo Bolsonaro foi a culminação de um processo de flexibilização das leis de desmatamento e mineração, reiniciado nos anos 2000. Esse processo se consolidou no governo Dilma Rousseff (2011-2016) e ganhou força no governo Michel Temer (2016-2018), apesar da queda significativa do desmatamento alcançada no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Nosso objetivo é relatar a sequência de eventos e decisões do governo federal que levaram ao agravamento da situação ambiental no Brasil.


Começou logo após a posse do presidente Bolsonaro, com várias responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente sendo transferidas para outras esferas do governo federal, funcionários sendo demitidos, acordos com organizações não governamentais sendo suspensos e conselhos e comitês ambientais sendo enfraquecidos ou extintos [7]. Houve até tentativas frustradas de perverter o uso de recursos de doações internacionais que haviam sido recebidos para projetos de combate ao desmatamento [8].


A situação se agravou, principalmente para os povos originários, quando a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foi transferida para o Ministério da Agricultura com o objetivo de impedir novas demarcações de terras indígenas e validar invasões de terras indígenas existentes. A Funai foi devolvida ao Ministério da Justiça em maio de 2019 pelo Congresso Nacional, mas a nomeação pelo presidente Bolsonaro de um policial federal para chefiar a agência e militares para cargos-chave dentro dela garantiu que sua promessa de não demarcar “um único centímetro de terra indígena” foi mantida. Foram retrocessos e ilegalidades que nortearam a política anti-indígena do governo brasileiro [9].


O governo federal tem avançado sistematicamente na agenda dos ‘ruralistas’ (grandes proprietários e seus representantes), tanto em ações legislativas quanto na nomeação de ruralistas para cargos-chave em todo o governo. A longa lista de contratempos inclui interferências constantes nas ações de fiscalização e controle dos órgãos ambientais, a aprovação de 1.682 novos agrotóxicos para uso no Brasil, desde o início do governo até junho de 2022 (muitos deles proibidos na Europa e América do Norte) [10], corte de verbas governamentais para proteção ambiental [11-14], enfraquecimento do sistema de monitoramento e combate aos crimes ambientais [15], redução significativa da aplicação de multas [16], críticas às agências de pesquisa e monitoramento florestal [17] e emissão de decretos, portarias e ‘medidas provisórias’ (despachos executivos com validade de 120 dias) que inibem os esforços de fiscalização de violações ambientais e combate ao desmatamento, queimadas, invasão de terras e mineração ilegal [18].


Projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, demandados pelo governo Bolsonaro, com forte apoio de parlamentares alinhados a ruralistas e garimpeiros, abririam terras indígenas para mineração, barragens e agronegócio [19]. Essas e outras iniciativas legislativas antiambientais se aceleraram desde a virada política de 1º de fevereiro de 2021, quando, sob a influência do Palácio do Planalto, o controle das duas casas do Congresso Nacional passou para o Coalizão ‘Centrão’ de partidos políticos, que apoiam a agenda ruralista [20].


Na reunião de 22 de abril de 2021 sobre mudança climática, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, o presidente Bolsonaro fez promessas, como acabar com o desmatamento ilegal até 2030, mas logo depois tomou medidas que favoreceram a legalização do desmatamento e as reivindicações de terras [21]. Um dia depois de prometer em seu discurso dobrar recursos para o meio ambiente, o presidente Bolsonaro publicou vetos retirando R$ 240 milhões (US$ 46,7 milhões) do orçamento do Ministério do Meio Ambiente [22]. Os recursos para prevenção de incêndios florestais caíram de R$ 49 milhões (US$ 9,4 milhões) em 2019 para R$ 37 milhões (US$ 7,1 milhões) em 2021. E em 2022 os vetos do presidente desviaram R$ 8,6 milhões (US$ 1,8 milhão) do orçamento do Ministério do Meio Ambiente para a promoção da conservação e prevenção de incêndios [23]. Um projeto de lei (PL3729/2004), já aprovado na Câmara dos Deputados, permitirá, quando aprovado pelo Senado, o autolicenciamento de projetos de infraestrutura sem análise ou julgamento pela equipe técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o órgão licenciador [24]. Em outubro de 2021, o governo Bolsonaro aprovou o corte do orçamento federal para a ciência brasileira em mais de 90%, reduzindo ainda mais a capacidade do país de estudar e controlar o desmatamento [25].


Bolsonaro se recusou a participar da 26ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP26), realizada em Glasgow (Reino Unido) em novembro de 2021. O representante do Brasil na conferência mudou a data prometida para acabar com o desmatamento ilegal de 2030 para 2028, assinou as declarações florestas e metano e afirmou que o Brasil atingiria zero emissões líquidas até 2050. No entanto, não há plano conhecido para atingir essas metas.


Parte da Amazônia já está emitindo mais CO2 do que absorve [26]. O Brasil é o sétimo maior emissor de carbono do mundo. As emissões reduzidas da forte desaceleração econômica no Brasil decorrente do COVID-19 foram mais do que compensadas pelo aumento das emissões de GEE do desmatamento em 2020. Estima-se que as emissões cresceram de 10 a 20% em 2020 [27], porque o desmatamento não parou, com forte estímulo governamental para a produção e exportação de commodities.


O desmatamento no Brasil aumentou 22% de agosto de 2020 a julho de 2021 em relação ao ano anterior. Esses dados de desmatamento estavam disponíveis em 27 de outubro de 2021, mas, por ordem do Presidente, esses dados só foram divulgados em 18 de novembro de 2021 para não contrariar o discurso do governo na COP26 [28]. Esse salto ainda maior no desmatamento reflete o efeito do discurso antiambiental do governo, que envia uma mensagem subliminar de que crimes ambientais sempre serão perdoados.


Também reflete o efeito do desmantelamento dos órgãos ambientais, os cortes orçamentários desses órgãos e as diversas medidas administrativas que desestimulam ou impedem a aplicação de multas. Também reflete a confiança dos posseiros na impunidade se eles invadirem e derrubarem florestas em ‘florestas públicas não destinadas’ (terras do governo que não são especificadas para uso como área protegida ou projeto de assentamento), uma vez que a ‘lei da grilagem’ (PL2633/2020) foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2021, enquanto tramitam no Congresso outros projetos de lei que facilitarão ainda mais a legalização de áreas ocupadas ilegalmente [29]. A invasão de florestas públicas não destinadas (Fig. 1) emitiu 1,87 bilhão de toneladas de carbono entre 2003 e 2019 [30].

Fig. 1. Progresso no desmatamento e destruição de florestas públicas não destinadas.

Esse desmatamento significa que espécies estão sendo perdidas, muitas delas antes de serem descritas. O estoque de biodiversidade global está sendo significativamente reduzido e caminhando para a extinção em massa. A ruptura da integridade dos ecossistemas também afeta a sobrevivência humana, pois reduz a capacidade de produção de alimentos [31]. O aquecimento global pode reduzir o vapor d’água no ar sobre a Amazônia, levando a uma redução de 12% no volume anual de chuvas, efeito que pode reduzir a disponibilidade de água para agricultura e pecuária no país [32]. Essas mudanças correm o risco de empurrar o clima além de seus vários pontos de inflexão [33]. A destruição das florestas na Amazônia, aliada às mudanças climáticas, pode elevar em até 11,5°C as temperaturas máximas médias à sombra no mês mais quente do ano na região, colocando em risco a natureza, a economia e a vida dos residentes amazônicos [34].


A contínua ladainha de retrocessos ambientais no Brasil tem enormes consequências para as gerações presente e futuras, tanto no Brasil quanto no mundo. Isso significa que países e organizações internacionais ao redor do mundo não podem simplesmente assistir à tragédia como meros espectadores. Um quinto das importações de soja da União Europeia, produzida na Amazônia e no Cerrado brasileiro, está ligada ao desmatamento ilegal [35]. Há uma variedade de condições que podem ser impostas ao comércio internacional brasileiro para induzir mudanças [4], mas as mais prováveis de serem efetivas seriam as restrições impostas pelos países importadores (especialmente a China) à soja e à carne brasileira produzidas ilegalmente em áreas desmatadas [36]. [37]


Notas

[1] da Silva, M.D. & P.M. Fearnside. (2022) Brazil: Environment under attack. Environmental Conservation.

[4] Ferrante L & Fearnside PM (2021) Governo viola direitos indígenas. Amazônia Real

[5] Vale MM et al. (2021) The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil. Biological Conservation 255: art. 108994.

[6] Leite-Filho AT et al. (2021) Deforestation reduces rainfall and agricultural revenues in the Brazilian Amazon. Nature Communications 12: art. 2591

[7] Brasil (2019) Presidência da República. Decreto n° 9.759 de 11 de abril de 2019.

[9] INESC Instituto de Estudos Socieconômicos (2022). Fundação Anti-Indígena: Um retrato da FUNAI sob o governo Bolsonaro. Brasília, DF.

[10] Robotox (2022) Agrotóxicos concedidas pelo governo federal @robotox.

[11] Brasil (2019) Presidência da República. Decreto n°9.741 de 29 de março de 2019.

[12] Brasil (2019) Presidência da República. Lei Orçamentária 2019 n° 13.808. de 15 de janeiro de 2019.

[13] Brasil (2020) Presidência da República. Lei Orçamentária 2020 n° 13.978 de 17 de janeiro de 2020.

[14] Brasil (2021) Presidência da República. Lei Orçamentária 2021 nº 14.144 de 23 de abril de 2021.

[16] Brasil (2019) Presidência da República. Decreto nº 9.760 de 11 de abril de 2019.

[17] Fearnside PM (2019) Os números do desmatamento são reais apesar da negação do presidente Bolsonaro. Amazônia Real, 02 de agosto de 2019.

[18] ASCEMA Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (2020). Cronologia de um desastre anunciado. Brasília, DF.

[19] Villén-Pérez S et al. (2022) Mineração ameaça povos indígenas isolados. Amazônia Real,

[20] Ferrante L & Fearnside PM (2021) Reviravolta no Congresso Nacional ameaça Amazônia. Amazônia Real, 09 de março de 2021.

[21] Fearnside PM (2021) Desmatamento ilegal zero, mais uma distorção do Bolsonaro. Amazônia Real, 26 de abril de 2021.

[23] Menegassi D (2022) Bolsonaro corta 35 milhões do orçamento do Ministério do Meio Ambiente para 2022. (O)Eco, 25 de janeiro de 2022.

[24] Ruaro R, Ferrante L, Fearnside PM (2021) Licenciamento ambiental do Brasil condenado. Amazônia Real, 08 de junho de 2021.

[25] Kowaltowski AJ (2021) Brazil’s scientists face 90% budget cut. Nature 598: 566.

[26] Gatti LV et al. (2021) Amazonia as a carbon source linked to deforestation and climate change. Nature 595: 388-393.

[28] Álvares D (2021) Sources: Brazil withheld deforestation data ’til COP26’s end. Associated Press, 20 de novembro de 2021.

[29] Ferrante L et al. (2021) Grilagem na rodovia BR-319. Amazônia Real,

[30] Kruid S et al. (2021) Beyond deforestation: Carbon emissions from land grabbing and forest degradation in the Brazilian Amazon. Frontiers in Forests and Global Change 4: art. 645282.

[33] Walker RT (2021) Collision course: Development pushes Amazonia toward its tipping point. Environment: Science and Policy for Sustainable Development 63(1): 15-25.

[34] Oliveira BFA, Bottino MJ, Nobre P, Nobre C (2021) Deforestation and climate change are projected to increase heat stress risk in the Brazilian Amazon. Communications Earth & Environment 2: art. 207.

[35] Rajão R et al. (2020) The rotten apples of Brazil’s agribusiness. Science 369: 246-248.

[36] Fearnside PM (2021) Emissões de carbono da China no Brasil. Amazônia Real, 13 de outubro de 2021.

[37] Este texto é uma tradução de: da Silva, M.D. & P.M. Fearnside. (2022). Brazil: Environment under attack Environmental Conservation


Sobre os autores

Marcelo Dutra da Silva possui graduação em Ecologia (1999) pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Mestrado (2002) e Doutorado (2008) em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Rio Grande (UFRG), lotado no núcleo de gerenciamento Costeiro do Instituto de Oceanografia (IO), e é Coordenador do Laboratório de Ecologia de Paisagem Costeira (LEPCost).


Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 650 textos de divulgação a que estão disponíveis aqui.



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