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Novos casos de Covid-19 em funcionários indígenas impõe alerta na Terra Yanomami


Um grupo de indígena da aldeia Xexena regressou à comunidade sem fazer teste e agora 19 deles estão na quarentena (Foto de Emily Costa/Amazônia Real)

Por Emily Costa e Kátia Brasil, da Amazônia Real - Enquanto uma parte do povo Yanomami se refugia no interior da floresta para escapar da pandemia do novo coronavírus, neste sábado (2 de maio) foi disparado um alerta nas comunidades da Terra Indígena depois da confirmação de quatro novos casos de Covid-19, entre eles, de uma indígena do polo base Missão Catrimani e outro do polo base Demini, além de três casos suspeitos da doença. Um grupo de 19 pessoas da aldeia Xexena, que retornou à comunidade sem fazer teste, está em quarentena, em Boa Vista, capital de Roraima. As informações são da Secretaria Especial de Saúde Indigena (Sesai), do Ministério da Saúde.

A Terra Indígena Yanomami tem 9.664.975 hectares, localizada entre os estados do Amazonas e Roraima. São 380 comunidades e uma população de 28.148 pessoas, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde. A primeira pessoa do território a testar positivo para Covid-19 foi um jovem Yanomami de 15 anos, que morreu por complicações de infecção no pulmão devido à doença, no dia 9 de abril, no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista.

A suspeita é de que ele contraiu o vírus com garimpeiros, pois o território está invadido por mais de 20 mil pessoas, diz a Associação Hutukara Yanomami (Hay).

De acordo com Francisco Dias, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), do Ministério da Saúde, os quatro indígenas que testaram positivo para Covid-19 estão em isolamento em suas casas. Além da mulher do Catrimani e do homem do Demini, um é assessor do distrito e outro é representante do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami – esses moram em Boa Vista.

O novo coronavírus começa a se espalhar dentro da Terra Indígena Yanomami também pelo contato de funcionários não indígenas que estão infectados. Foram diagnosticados 16 profissionais com Covid-19. Dentre essas pessoas, segundo nota da Sesai: “uma atua em área indígena, no polo base Alto Catrimani; três na sede administrativa do Dsei Yanomami; e 12 na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) Yanomami, no município de Boa Vista. Todos estão seguindo as recomendações e orientações de isolamento social para a contenção da doença e não apresentam sintomas graves”.

Da capital de Roraima, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (Hay), Dario Vitório Kopenawa Yanomami disse à agência Amazônia Real, que está recebendo pela radiofonia diversos relatos das comunidades de pessoas que estão com sintomas de gripe na terra indígena. Os informes partiram das comunidades Nova Canaã, no Amazonas, Alto Catrimani, Catrimani, Hawarixa, Kroumapi, Maloca Paapiu, Surucuru e Xexena, essas com acesso por Boa Vista.

Com relação a casos confirmados em funcionários não indígenas, Dario disse que houve informes, pela radiofonia, de uma remoção. “Uma técnica de enfermagem (não indígena) foi removida do Catrimani para Boa Vista com o coronavírus. Tô muito triste com a situação dos Yanomami agora”, disse o vice-presidente da Hurukara.

Na comunidade Helepe, onde o jovem de 15 anos morto pela Covid-19 nasceu, um indígena apresentou sintomas. O Dsei Yanomami disse que o resultado do teste foi negativo para coronavírus. “Não há mais nenhum indígena em isolamento na aldeia”, informou.

Expedição Yanomami Okrapomai (Christian Braga/ Midia Ninja/2014)

Para tentar controlar a disseminação de casos entre indígenas, a Sesai disse que “o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami está realizando o monitoramento de todos os profissionais e pacientes. As soluções empreendidas fazem parte das determinações da Sesai e se fundamentam nas decisões adotadas pelo comitê de crise distrital com base no Plano de Contingência Nacional e no Plano Distrital para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus em Povos Indígenas”.

No entanto, segundo o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Privado de Serviço de Saúde do Estado de Roraima, faltam itens básicos para os funcionários da saúde indígenas como máscaras, luvas, aventais e botas. A Sesai nega essa informação.

O Ministério da Saúde registou 668 casos de Covid-19 e 9 mortes na população do estado Roraima até às 18h50 (horário e Brasília) deste sábado (2).

A contaminação do vírus também chegou a outros povos de Roraima. O Dsei Leste comunicou, em 30 de abril, que uma criança de dois anos da etnia Wapichana testou positivo para Covid-19 e está no isolamento com sua mãe na Casai Leste, em Boa Vista. É o primeiro caso neste povo. Mais dois casos suspeitos são investigados, mas o distrito não informou as etnias, conforme o boletim divulgado pela Sesai.

O caso Xexena

Há muitos anos, o indígenas da aldeia Xexena, localizada no Leste da Terra Indígena Yanomami, transitam da região do Ajarani, no sul de Roraima, para cidades como Caracaraí, Mucajaí e Boa Vista.

A aldeia Xexena foi uma das comunidades impactadas pelo contato com não-índios em 1970, durante a construção da perimetral Norte (BR-210), “que avançou mais de 100 km pelas terras tradicionais dos yanomami. A construção, executada pela construtora Camargo Correa, levou 2 mil homens para a região com cerca de 800 máquinas”, diz um documento do Ministério Público Federal de Roraima.

O antropólogo Bruce Albert disse à reportagem que a aldeia Xexena sofreu, antes da rodovia, uma epidemia de sarampo, em 1968. Outro foco de disseminação de doenças aconteceu, segundo ele, durante a construção parcial da perimetral Norte, entre os anos de 1973 a 1976, período da ditadura militar brasileira.

“Morreram de novo bastante pessoas de gripes e outras doenças a partir de 1973. São grupos remanescentes totalmente desestruturados socialmente desde quando foram atingidos pela construção da estrada Perimetral Norte. Vivem zanzando nas cidades Caracaraí e Boa Vista”, explicou Albert.

Desde março, grupos da aldeia Xexena são vistos pelas ruas das cidades. Muitos andam descalços, pedem esmolas e alguns apresentam sinais de embriaguez, o que provoca preconceito da população local.

Entre 14 e 21 de abril, a reportagem da Amazônia Real monitorou um grupo da aldeia Xexena, em Boa Vista. No acampamento improvisado com redes, papelão e plástico na Avenida Glaycon de Paiva, região centro da cidade, haviam 21 pessoas: 13 adultos e oito crianças.

O líder do grupo é Yxup Yanomami, que fala português. Ele disse que o deslocamento da aldeia aconteceu em março, depois de uma viagem a pé de três semanas. O percurso até a capital é de cerca de 300 quilômetros, segundo ele, passando pelas cidades de Caracaraí e Mucajaí, até chegar na capital do estado.

“Lá (no entorno da comunidade) não tem ninguém, só lavrado, boi. Todo muito veio andando. Três semanas. Não tem carona, não tem carro. Eu pedi à Funai ajuda para mim, para trabalhar, ajuda para ir para a rua, comprar tabaco passear e voltar. Ia vender vassoura, mas acabou. Vassoura acaba”, disse Yxup Yanomami.

O líder disse que o grupo saiu da aldeia Xexena porque o tabaco havia acabado. Ele queria reunir 10kg para dividir entre o grupo e regressar à Xexena.

“Em Xexena acabou o tabaco. Tem macaxeira, mamão, mandioca, taioba, cará, pimenta. Tem tudo, mas nós não ficamos. Não tem tabaco. Acabou. Procurar aqui na rua. Todo mundo veio procurar”, disse.

Outro indígena Yshup Yanomami resolveu falar com a reportagem. Ele disse que sobre a alimentação: “índio não tem dinheiro, como vai comprar? ”

A reportagem perguntei se o grupo recebia algum benefício do governo federal. “Agora não estamos recebendo bolsa família. Nós viemos atrás de registro, para registrar, tem muito crime lá”, afirmou Yshup Yanomami, sem explicando que o crime é o garimpo na região.

Depois de procurado pela agência Amazônia Real, o Dsei Yanomami retirou os indígenas das ruas entre os dias 21 e 23 de abril. Segundo o distrito, 40 indígenas da aldeia Xexena

foram levados em um ônibus de volta à comunidade, localizada no município de Iracema, sul do estado. Os funcionários publicaram uma foto da ação na internet. Mas o grupo não passou pelo período de quarentena de 15 dias antes do regresso à aldeia.

No dia 28 de abril, a agência Amazônia Real procurou a Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, para o órgão falar sobre a situação dos indígenas Yanomami da aldeia Xexena e se foi realizada a quarentena. Em nota a fundação disse: “trata-se de uma demanda do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami. Orientamos entrar em contato a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), órgão subordinado ao Ministério da Saúde. Gentileza contatar a Assessoria de Comunicação daquele ministério, que atualmente responde pela Ascom da Sesai”.

A reportagem procurou a Sesai. Em nota divulgada hoje (2), a secretaria tratou o grupo da aldeia Xexena de “indígenas isolados Xexena, que habitam espaço dentro de Terra Indígena Yanomami”. Segundo o órgão, não há registro de casos positivos de Covid-19 entre o grupo. “Há dois jovens Xexena que estão sendo assistidos na enfermaria especial da Casai Yanomami, internados por apresentarem fratura de membro. Ambos foram submetidos à testagem rápida para anticorpos de SARS-CoV-2 e os exames resultaram negativos”, disse.

A Sesai afirmou que, do grupo de 40 pessoas que retornou a aldeia Xexena, 19 pessoas foram encaminhadas para a Casai Yanomami e estão sendo submetidos ao período de quarentena de 14 dias, mas não informou a data do início do confinamento. “Atualmente aguardam para retornarem às suas regiões de residência. Nenhuma dessas pessoas apresenta sintomatologia sugestiva de Covid-19, nem de qualquer outra infecção das vias respiratórias”, disse a secretaria vinculada ao Ministério da Saúde.

Fonte: Amazônia Real

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