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Aldevan Baniwa, que denunciou a falta de testes para Covid-19, morre em UTI de Manaus


Ele (de óculos) foi uma das lideranças na defesa da saúde indígena, colaborador de produções científicas e um dos autores do livro “Brilhos na Floresta”  (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Por: Izabel Santos - Aldevan Brazão Elias, de 46 anos, indígena da etnia Baniwa, do Alto Rio Negro, morreu com suspeita de Covid-19 na noite de sábado (18), na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, hospital localizado na zona centro oeste de Manaus. Ele era agente de combate às endemias da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas (Susam), defensor da saúde indígena, colaborador de cientistas e escritor. Estava com os sintomas da doença desde o dia 11 de abril e buscou tratamento de saúde em várias unidades públicas. Não foi submetido à testagem do novo coronavírus e chegou a denunciar, nas redes sociais, o colapso nos hospitais, a falta de testes da Covid-19 para os profissionais da área, seu próprio estado de saúde e o desamparo na assistência.

André Brazão, que também é agente de endemias da FVS, disse à Amazônia Real que seu irmão Aldevan Baniwa, como era mais conhecido, chegou a ir trabalhar com sintomas de gripe pois, no primeiro atendimento, no dia 13 (segunda-feira) na Unidade Básica de Saúde (UBS) Sávio Belota, na zona norte de Manaus, não foi submetido ao teste para o novo coronavírus.

“Na UBS, fizeram um raio-x nele e deu uma mancha no pulmão. Ele estava doente, com sintomas de Covid-19 ou virose há mais de uma semana. Tomava remédio e passava, ele ia trabalhar assim mesmo. Nessa semana, agravou mais um pouco”, disse.

André contou que o segundo atendimento do irmão foi no Hospital e Pronto Socorro João Lúcio, na zona leste da capital amazonense “Na sexta-feira (17), ele retornou à UBS, já num estado muito ruim. Estava muito cansado, a respiração estava falhando e [estava sentido] dor no corpo. O Samu transferiu ele lá para o João Lúcio, onde ele fez uma tomografia do pulmão; passou o dia em observação”.

De acordo com André, a tomografia em Aldevan mostrou lesões no pulmão, características do novo coronavírus. “A tomografia acusou que ele estava com Covid-19”. Foi no Hospital João Lúcio que funcionários da unidade denunciaram, através de vídeos, que pacientes estavam na mesma UTI que os corpos de vítimas, que não foram removidos para necrotérios, conforme publicou o jornal Folha de S. Paulo.

Aldevan Baniwa (Reprodução Facebook

André conta que falou pela última vez com o irmão por volta de 21h de sexta-feira (17). “Ele disse: ‘eu estou ruinzão, mano! Eu estou mal’ e começou a tossir. Mas eu falei: ‘não, isso vai melhorar’! Tu tomaste algum medicamento e está reagindo, isso vai melhorar. Mas manda notícias pra mim. Ele disse: ‘está bom’”.

André Brazão contou que só por volta da meio-dia de sábado (18), é que Aldevan Baniwa foi transferido para a UTI do hospital da Fundação de Medicina Tropical, onde ele trabalhava. No entanto, a saúde do seu irmão piorou com as complicações respiratórias.

“Tínhamos esperança de que ele ia melhorar, mas aconteceu o pior, infelizmente. Estamos transtornados. A gente não acredita que isso aconteceu, não acredita que isso é real”, afirmou.

Ele disse que no atestado do irmão consta como causa da morte “insuficiência pulmonar aguda com suspeita de Covid-19”. “Não colocaram no atestado dele se ele estava com Covid-19”, afirmou.

Conforme André, Aldevan Baniwa morava com uma irmã e um sobrinho. Os dois estão com sintomas de gripe, mas passam bem. André conta que também sente sintomas da doença, mas ainda não conseguiu fazer o teste da Covid-19.

Como o irmão, André trabalha na Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) no combate à malária e à leishmaniose em comunidades rurais na região da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), orientando, examinando e acompanhando tratamento de moradores. “Estou com febre faz dias. Procurei atendimento na UBS Leonor de Freitas e a médica disse: ‘agora, todo mundo com uma gripezinha ou uma tosse quer um atestado pra ficar 40 dias ou 14 dias em casa'”.

O sepultamento de Aldevan Baniwa foi realizado neste domingo (19), no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, no bairro Tarumã, na zona oeste de Manaus. Ele é o terceiro indígena, que reside em cidade, a morrer de Covid-19, na Amazônia. O primeiro foi uma anciã da etnia Borari, em Alter do Chão, no Pará, e o segundo um homem do povo Mura, que morava em Manaus, no Amazonas. Outros quatro indígenas morreram na pandemia do novo coronavírus, mas são classificados como aldeados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai): um jovem Yanomami, em Roraima, um ancião Tikuna e uma mulher Kokama, ambos do Amazonas.

Aldevan Baniwa nasceu na comunidade Castanheiro, no município de Santa Isabel do Rio Negro, na região do Alto Rio Negro, no norte do estado do Amazonas. Ele tinha uma expressiva atuação na comunidade acadêmica, colaborando com produções científicas de pesquisadores. Foi casado com a antropóloga Ana Carla Bruno, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com quem tem duas filhas. Ana é colunista da agência Amazônia Real.

Aldevan e Ana Carla são dois dos autores do livro “Brilhos na Floresta”, junto com os pesquisadores Noemia Kazue Ishikava e Takehide, além da ilustradora Hadna Abreu. O livro foi lançado no final do ano passado pela Editora Valer em parceria com a editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A noite de autógrafos foi realizada pela Banca do Largo São Sebastião. O livro é quadrilíngue: escrito nos idiomas português, inglês, japonês e língua indígena geral Nheengatu.

Denúncias da falta de testes da Covid-19

Chegada de pacientes de Covid-19 no Hospital de Campanha Gilberto Novaes, em Manaus (Foto: Nathalie Brasil/ Semcom)

O agente de endemias da FVS, Aldevan Baniwa denunciou em mensagens de texto por WhatApp, as quais a Amazônia Real teve acesso, a situação do colapso no sistema público de saúde do Amazonas: “Estou com suspeita, mas as unidades nas quais a FVS (Fundação de Vigilância em Saúde) e a Susam (Secretaria Estadual de Saúde) orientam que a população procure quando tiver sintomas ficam jogando um pro outro: tipo, ‘procure o Pronto Socorro 28 de Agosto, procure a Susam, procure a UBS, e bota de ping-pong”, relatou ele no dia 14 de abril.

Aldevan chegou a ir ao Laboratório Lacen, mas foi impedido de fazer o exame, recebendo outras orientações, conforme relatos que ele deu a amigos na página do Facebook.

“Procurei o LACEM [sic]. Pra minha surpresa, encontrei o portão do órgão público [um alerta aqui ao pagador de impostos], e um porteiro que me perguntou lá de cima com quem eu ia falar, ao que respondi que era profissional da linha de frente e tinha ido ser testada. A resposta foi que só estavam entrando os que “tinham sido direcionados” (atentem para isso). Bom… resolvi gravar e ficar esperando, como começou a acumular entregadores lá embaixo eles resolveram abrir… o resto eu deixo aos vídeos…”, disse.

Na mesma postagem, Aldevan revelou que os testes rápidos enviados pelo Ministério da Saúde estão sendo usados para testar outras pessoas que não são os profissionais da saúde, em “favores políticos”.

“Começo então citando uma situação na qual um colega de plantão em uma unidade de saúde materno infantil presenciou – ele viu uma família inteira chegar para ser testada, de não profissionais, somente por serem amigos VIP. Na unidade em que trabalho a orientação é a de que somente serão testados aqueles que tiverem atestados e afastados por 8 dias. Independente de saberem que todos os profissionais, que estão na linha de frente, não têm direito a atestados ou afastamento, e que em caso de afastarem vai ser por conta própria e ainda pagando multa (o dobro do valor) pela falta, já que as empresas deixaram bem claro que o responsável pelo plantão era o próprio plantonista”, diz trecho da postagem de Aldevan Baniwa.

O que diz a Susam?

A reportagem procurou a Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam) para o órgão se posicionar sobre o atendimento prestado ao agente de combate às endemias Aldevan Baniwa e sobre as denúncias que ele fez sobre a testagem de Covid-19 em profissionais da saúde, mas a Susam não respondeu até a publicação desta reportagem.

Até este domingo (19), o Amazonas registrou 379 profissionais de saúde (das redes pública e privada) infectados por Covid-19. São os seguintes profissionais: técnicos de enfermagem (154 casos), enfermeiros (68) e médicos (55).

Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas, 217 profissionais estão em isolamento domiciliar, 140 estão fora do período de transmissão e 13 estão internados (11 em leitos clínicos e 2 em UTI´s). O órgão informa, ainda, que há registros de nove mortes, sendo três médicos, quatro técnicos de enfermagem, um gestor e um profissional de outra categoria.

O boletim epidemiológico divulgado também neste domingo pela FVS diz que nas últimas 24 horas foram registrou mais 147 novos casos de Covid-19, no Amazonas. De 13 de março, quando o primeiro registrado da doença foi confirmado, até hoje são um total de 2.044 pessoas com o novo coronavírus no estado. Destes, 1.664 são de Manaus e 380 de 25 municípios. O total de mortes chega a 182.

Em sua página no Facebook e no Instagram, a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) lamentou a morte de Aldevan Baniwa e de um outro profissional da rede pública, o médico Clauber Cavalcante. “É com pesar que a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), informa neste sábado (18/04), o falecimento precoce de dois de seus agentes de combate às endemias, Sr. Clauber da Silva Cavalcante e Sr. Aldevan Baniwa, por complicações em decorrência de Síndrome Gripal Aguda Grave (SRAG), causadas pela suspeita de infecção pelo novo coronavírus. Neste momento de dor, a FVS-AM se solidariza com familiares e amigos, e expressa as mais sinceras condolências pelas suas perdas”, diz a nota. (Colaborou Elaíze Farias)

Fonte: Amazônia real

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