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Padre indígena diz que Sínodo é desafio para Igreja e Ecologia na Amazônia


Justino Sarmento Rezende, do povo Tuyuka, e o kumu Manoel Lima (atrás), no Centro de Medicina Indígena, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Por: Izabel Santos - Amazônida, Tuyuka e padre salesiano. Assim pode ser definido Justino Sarmento Rezende, um dos padres indígenas que participará do Sínodo dos Bispos para a Amazônia com o Papa Francisco, que acontece a partir deste domingo (6) e vai até dia 27 de outubro, no Vaticano, em Roma. Nascido na aldeia Onça-Igarapé, no distrito de Pari-Cachoeira, no Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, norte do Amazonas, padre Justino pertence ao povo Ʉtãpinopona, que significa “filhos da cobra de pedra”, ou Tuyuka, para os não-indígenas.

Com vasta experiência na evangelização de indígenas no Alto Rio Negro com os povos Arapaso, Tariano, Tuyuka, Tukano, Desano, Piratapuia, Wanano, Kubeu, Mirititapuia, Hupda e Yanomami, ele ajudou a elaborar, com outros 15 bispos, uma religiosa e um leigo dos conselheiros pré-sinodais, o Documento Preparatório do Sínodo e o Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho), cujo tema foi lançado em 08 de maio de 2018: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”.

Padre Justino explica que, durante cinco meses, foram colhidas sugestões entre comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas da Pan-Amazônia para adequar a Igreja Católica à realidade da região amazônica. “Agora vamos discutir o que os amazônidas querem”, afirma ele, destacando:

“O Sínodo já nasce desafiador quando diz ‘Amazônia: novos caminhos para a Igreja’, no sentido de evangelização. Isso quer dizer que muitos ainda estão seguindo caminhos antigos, não estão mudando. É necessário que a Igreja pense e pense junta”.

A Congregação Salesiana chegou ao Alto Rio Negro em 1914. Foi financiada pelo governo federal para educar e catequizar os indígenas em internatos, integrando-os à “civilização brasileira”, segundo reportagem da Agência Pública. Mais de 200 padres e freiras salesianas, a maioria de origem europeia, trabalharam nas sete missões nos rios Negro, Uaupés, Içana e Tiquié. Os internatos chegaram a receber 4 mil crianças em 1980.

Aos 18 anos o padre Justino Rezende entrou para o seminário e veio morar em Manaus, mas sua decisão contrariou familiares. “Ouvi do meu avô: ‘meu neto, ser padre não é da nossa cultura”, lembra.

Hoje, aos 58, o padre indígena é mestre em Educação e doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Mas a vida de religioso começou com descrédito dos próprios padres não-indígenas. “Uma das respostas que chegamos a receber foi: ‘não, ser padre não é para vocês, indígenas! Vão brincar! ”, recorda ele.

Justino diz que não perdeu sua identidade cultural por ser padre. “Eu procuro valorizar bem as riquezas dessas duas realidades. Não me sinto dividido, pois eu me assumo bem como indígena e sirvo como salesiano e padre sendo indígena, e não o inverso”.

O religioso vai participar do Sínodo como perito em espiritualidade indígena e pastoral inculturada, que significa adequar a evangelização às populações indígenas, mas não participará da reunião exclusiva entre os bispos e o Papa Francisco. A função do perito é redigir o documento final da reunião da Igreja Católica. Leia a entrevista do padre Justino Sarmento Rezende concedida à agência Amazônia Real.

Encontro do Papa Francisco com os povos da Amazônia, em Puerto Maldonado, no Peru (Foto: Andres Valle)

Amazônia Real – Como é ser padre e indígena na Amazônia?

Padre Justino Sarmento Rezende – São 25 anos como padre na Amazônia. Graças a Deus e ao meu esforço tenho mantido um perfil sacerdócio muito próximo dos povos com os quais atuo. Durante todos esses anos tenho procurado manter o amor às culturas indígenas, espiritualidade e modos de viver de cada povo. Sonhar com eles novas formas de organizar as celebrações das missas e sacramentos; na formação, dar preferência aos temas indígenas sem deixar os temas eclesiais e cristãos de fora. Procuro refletir, escrever e divulgar sobre as nossas riquezas culturais, além de dialogar com as sabedorias e conhecimentos que a Igreja apresenta para nós. Me envolvo com as organizações indígenas em busca de dias melhores, principalmente, participando das reuniões, encontros, assembleias e festas. Participo, quando posso, das cerimônias e rituais com os meus parentes Tuyuka, para estar ligado aos valores importantes que garantem a nossa saúde física e espiritual. Consigo colaborar bastante com vida da diocese e congregação em temas indígenas e pastorais. Não tenho receio de mostrar as nossas riquezas no campo da educação escolar. Sem dúvida, tenho também minhas fraquezas, dificuldades e desafios constantes. São essas realidades que nos motivam a buscar caminhos novos.

Algumas vezes desanimo quando algumas propostas novas não são aceitas. Mas tomo isso como lição e a oportunidade de ter mais paciência com o povo, sem exigir que eles entendam as novas sugestões de maneira imediata. Os povos possuem suas próprias visões de mundo, de vida, da vida cristã, das pastorais.

“As lideranças indígenas e não indígenas têm me ajudado muito a construir um estilo de vida baseado na conversa e no diálogo”

Povos indígenas do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Amazônia Real – O senhor sempre quis ser padre?

Padre Justino – Sou indígena do povo Tuyuka, ou Ʉtãpinopona, que significa “filhos da cobra de pedra”, nascido no distrito de Pari-Cachoeira, na região do Alto Rio Negro. Tornei-me católico após assumir minha fé. Meus pais eram católicos batizados e catequistas. Logo que os filhos nasciam, eles levavam as crianças para batizar sem grandes cerimônias. Foi nesse ambiente familiar cristão que fui criado, na aldeia Onça-Igarapé. Aos 9 anos fui para o colégio interno comandado por padres salesianos. Entrávamos no mês de março e saíamos em outubro, período que compreendia um ciclo de educação com trabalhos sistemáticos de catequese, primeira eucaristia e crisma. Esses internatos eram comuns na região do Alto Rio Negro e distribuídos em locais estratégicos, pois as aldeias ficavam distantes da sede de São Gabriel da Cachoeira. Existiam internatos em Taracuá, para quem morava no rio Uaupés, Yauaretê para quem morava no Alto Uaupés e Papuri, Pari-Cachoeira para quem morava no rio Tiquié e seus afluentes, e assim por diante. Além disso, as missões quase não tinham contato umas com as outras, só tínhamos contato com os moradores das nossas aldeias. Foi assim que fomos escolarizados, catequizados e evangelizados. Ser padre não é a vontade dos jovens. Esse desejo só surge quando a vocação é despertada. No meu caso, ela surgiu quando o bispo de São Gabriel da Cachoeira, na época Dom Miguel Alagna, disse que abriria um seminário em 1976, e que quem estivesse interessado deveria procurar os padres salesianos. Só que quando eu e outros interessados fomos falar, não nos deram atenção. Uma das respostas que chegamos a receber foi: ‘não, ser padre não é para vocês, indígenas! Vão brincar!’. Nós éramos adolescentes e para nós tanto fazia ele responder sim ou não, pois ser padre realmente não fazia parte da nossa cultura. Estávamos acostumados a receber padres, ser educados por eles, guiados na fé, mas ser padre era outra coisa que nem se imaginava.

Outros indígenas, antes de mim, já tinham ingressado nos Seminários para estudar para se tornarem padres, foram para o Pará, para cidades como Belém e Ananindeua, até mesmo Manaus, mas foram experiências fracassadas, por isso nem nossas famílias nos davam muito crédito, diziam: ‘não, não vai. Isso nunca deu certo para nós indígenas’, e ficava por isso mesmo.

Padre Justino (da etnia Tuyuka) está no Vaticano para o Sínodo (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Amazônia Real – Mas hoje o senhor é padre, contrariando as expectativas dos religiosos não indígenas e indo participar de um Sínodo.

Padre Justino – Sim, mas essa rejeição aos indígenas ainda é uma realidade muito presente em todas as congregações religiosas na Amazônia, seja para homens ou mulheres. Ainda somos poucos até mesmo aqui na região mais indígena do Brasil. Se eu e outros persistimos é porque existiram exceções entre os salesianos, que apostaram em nós, mas não a instituição Igreja. Existiram pessoas que souberam nos motivar, compreender, incentivar. Alguns consolidaram essa caminhada religiosa, como eu, mas em 1970 a visão era outra. Os religiosos vieram para a Amazônia para civilizar, educar, catequizar, não para formar padres. Hoje, o incentivo existe, mas pela necessidade causada pela escassez de padres missionários vindos da Europa. Cinquenta anos atrás era difícil até para um indígena aceitar que outro indígena fosse padre, porque estávamos acostumados a ver missionários de fora, era um ofício muito próprio dos brancos. Eu mesmo, quando fui para o seminário, ouvi do meu avô: ‘meu neto, ser padre não é da nossa cultura, de onde você tirou essa ideia? ’ Minha mãe dizia a mesma coisa. Só meu pai que dizia “deixa ele ir! Se não der certo, ele volta”. Atualmente, a realidade mudou e todos falam em promover vocações autóctones.

Amazônia Real- Como o senhor analisa essa mudança de atitude?

Padre Justino – Não é possível analisar o que passou com o olhar de hoje, senão vamos culpabilizar o passado. Por isso existem tantos equívocos na interpretação da história da Igreja, de sociedades e culturas indígenas. Nos tempos atuais não podemos fazer o que era normal no passado como, por exemplo, achar que o indígena é um selvagem, aborígene, que tem que estar no mato andando nu, sem tecnologia. Esse tipo de interpretação mostra uma visão falsificada da vida. Eu quero dizer que hoje é preciso incentivar as comunidades, rezar pelas vocações, acompanhar os jovens que querem ser padres e as jovens que querem ser freiras, para não destoarmos do contexto em que estamos inseridos. Mas ainda precisamos avançar, pois as estruturas formativas da Igreja precisam adequar seus conteúdos e preparar melhor quem vai trabalhar com jovens indígenas. Essa necessidade de mudança pode ser vista na evasão de jovens indígenas que entram nos seminários. Eles não ficam não por incapacidade intelectual ou dificuldade de adaptação, mas porque as regras são muito rígidas.

Padre Justino Sarmento Rezende começou no seminário católico aos 18 anos de idade (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Amazônia Real – O senhor quer dizer que precisa haver uma mudança no processo de evangelização e acolhimento da Igreja Católica na Amazônia?

Padre Justino – A maioria das congregações importa as regras europeias, os modelos que são aplicados nos corações das congregações italianas, e não faz nenhuma adequação às culturas indígenas. É o que chamamos de “inculturação” do carisma, do evangelho, da mensagem do evangelho. Não dá para repetir o que dá certo na Europa achando que vai dar certo aqui. A Igreja precisa estar mais próxima da realidade do indígena, precisamos estar com os pés mais no chão e próximos dos jovens indígenas que serem ser padres e freiras. Os indígenas têm um caminho particular de processamento dos conhecimentos e compreensão daquilo que é ensinado. É um trabalho que envolve ambos os lados. É injusto aplicar o modelo europeu aqui, fracassar e depois dizer que os indígenas são incapazes de seguir a vocação. Se for assim, o evangelizador que pensa dessa maneira também está incapacitado para acompanhar, orientar e trabalhar com os indígenas por uma questão de alteridade, pois o outro é desafiador e, justamente, desafia os nossos próprios conhecimentos, esquemas mentais, psicológicos e metodológicos.

Amazônia Real – E o senhor acredita que o Sínodo da Amazônia pode mudar a maneira de a Igreja Católica evangelizar na região?

Padre Justino – O Sínodo já nasce desafiador quando diz “Amazônia: novos caminhos para a Igreja”, no sentido de evangelização. Isso quer dizer que muitos ainda estão seguindo caminhos antigos, não estão mudando. É necessário que a Igreja pense e pense junta. Por isso surgiu o Sínodo da Amazônia, para que todos que estão na região consigam vislumbrar caminhos novos. Todos devem sonhar juntos: comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas, caboclos, pessoas das cidades, missionários e missionárias, bispos. O Sínodo é Eclesial, não é de uma só parte. Claro que quem vai discutir essa etapa final realizada no Vaticano, neste mês de outubro, são os bispos, porque todo Sínodo é essencialmente deles. Foi assim com o Sínodo da Família, da Juventude e todos os outros. O período de escuta das comunidades da Amazônia, dioceses, prelazias e tudo o mais foi cumprido e finalizado no último mês de fevereiro.

“Agora vamos discutir o que os amazônidas querem”

Encontro do Papa Francisco com os povos da Amazônia, em Puerto Maldonado, no Peru (Foto: Andres Valle)

Amazônia Real – É a primeira vez que os povos da Amazônia são ouvidos pela Igreja Católica e assumem o protagonismo da vontade deles. Isso significa uma quebra de paradigma dentro da instituição?

Padre Justino – Sim, pois o Papa Francisco criou uma metodologia inovadora em se tratando da Igreja Católica presente na Amazônia. Ele não quis ouvir pessoas especializadas, com teses e estudos. Ele quis ouvir o que as pessoas comuns de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas da Amazônia sonham para a Igreja, o que elas esperam da sociedade. Talvez por isso tenham surgido as críticas ao Sínodo, pois o Papa Francisco inverteu o jogo, ele quis que essas pessoas fossem os interlocutores principais, o equivalente a protagonistas, uma vez que não usamos este termo. Em Puerto Maldonado, no Peru, em 19 de janeiro de 2018, ele conclamou “povos indígenas, vocês precisam se tornar interlocutores principais em todos os níveis”. Com isso, o Papa quis dizer que os amazônidas precisam dizer que Igreja e sociedade eles sonham para a Amazônia. Está aí apontado um caminho novo. Por isso, o Instrumentum Laboris do Sínodo Amazônico, ou Instrumento de Trabalho, vai tratar sobre inculturação, interculturalidade, diálogo e outros elementos importantes que pretendem aproximar a igreja de quem precisa através de uma nova maneira de trabalhar. E mais, para motivar, o Papa ainda disse: “vocês precisam fazer propostas valentes, ousadas e sem medo”. Quer dizer, existem temas que precisam ser discutidos sem medo. E ainda disse: “vocês, indígenas, ajudem os vossos missionários, missionárias e bispos para que juntos vislumbrem uma Igreja com o rosto indígena”. Ou seja, esse trabalho não pode ser somente de missionários e missionárias, do contrário, vamos voltar ao esquema antigo, como se só eles conhecessem a maneira de evangelizar. A comunidade precisa estar junto com os religiosos para fazer aparecer uma Igreja com rosto diferente.

Amazônia Real – O senhor acha que, de alguma maneira, a Igreja pode abrir espaço para a assimilação das cosmovisões em um suposto novo processo de evangelização?

Padre Justino – Não, não. Na Amazônia temos muitas cosmovisões, cada povo tem a sua. Na Pan-Amazônia existem 390 povos indígenas com maneiras diferentes de ver, conceber e interpretar o mundo. Não dá para pegar esses conhecimentos e transformar em um tipo de categoria filosófica grega. A Igreja Católica é cartesiana e aristotélica, e quer em uma palavra representar aquilo que os povos amazônicos pensam, o que é um equívoco. Por outro lado, não é possível colocar toda a pluralidade do universo amazônico em um documento, senão teríamos que fazer um livro gigantesco. É preciso, sim, uma síntese com alteridade, entendendo como princípio básico a pluralidade presente na Amazônia, e isso envolve respeito, solidariedade, partilha de bens, hospitalidade, respeito a rituais religiosos, espirituais, teologias, etc. Depois, pós-celebração sinodal, cada um vai aplicar o que for determinado pelo Papa Francisco no seu país, cada qual na sua cultura com o que deve funcionar. Aí sim, talvez a gente precise de pessoas especializadas, porque vai implicar a aplicação dessas futuras orientações.

Papa Francisco em encontro com indígenas da Amazônia, no Peru (Foto: Osservatore Romano)

Amazônia Real – O senhor acredita o Sínodo da Amazônia enfrenta resistência dentro da própria Igreja?

Padre Justino – A maioria esmagadora dos bispos não é indígena e pode ter mais dificuldade para compreender as mudanças que se avizinham, assim como aqueles que são indiferentes aos indígenas. Se nós e os bispos não tivermos a capacidade de compreender as diferentes realidades e visões de mundo da Amazônia, não vamos superar a ideia de que só existe uma maneira de evangelizar, que é a europeia. Alguns membros estão apegados à vida tradicional da Igreja e não querem mudanças. Eles vão precisar ser muito sábios e maduros para discutir temas que são de interesse dos povos da Amazônia e não do seu próprio interesse. Se isso vai acontecer, não sabemos. Não sabemos sequer qual será o resultado do Sínodo. Confiamos que o Espírito Santo agirá nesse trabalho, mas para isso eles também têm que estar abertos individualmente, por isso o documento diz “conversão pessoal” e “conversão ecológica”, que se refere à coletividade, que também tem que estar disposta a mudar. As árvores, os rios, a terra, dependem dos humanos e esses humanos têm nome: bispos, cardeais, auditores, peritos, convidados, todos que estarão no Sínodo terão entre os dias 6 e 27 de outubro a grande responsabilidade de falar em nome dos povos que aqui habitam.

Amazônia Real – Quais são os pontos mais sensíveis que serão discutidos do Sínodo da Amazônia?

Padre Justino – As polêmicas mais visualizadas são os ministérios ordenados, que já foram citados pelo próprio Papa, que disse que precisamos atender a porção do povo de Deus na Amazônia, especialmente os indígenas, que são esquecidos. A partir daí ele começou a dizer que o que o preocupa é falta da eucaristia nas comunidades, pois muitas não a possuem, seja por falta de padres ou porque são distantes. Nas escutas foi proposto que se pensasse em um novo formato do sacerdócio com a ordenação de homens casados, que tenham boa postura e experiência pastoral, maturidade. Algumas pessoas não estão preparadas para essa mudança, que não é um dogma. Em certo momento da história a opção pelo celibato foi feita. Em nenhuma parte dos documentos do Sínodo se pensou em abolir o celibato, esse modelo continua, mas temos que pensar em como aperfeiçoar o seminário. Ninguém está falando em liberar o casamento dos padres celibatários. O que se precisa pensar é como será a formação deles, mas isso será indicado em orientações pastorais pós-sínodo.

Amazônia Real – O Sínodo da Amazônia seria uma maneira de a Igreja Católica reparar os crimes que ela cometeu na região desde o Período Colonial?

Padre Justino – Os indígenas nunca aceitaram o pedido de desculpas da Igreja. Não dá para apagar os pecados dos outros. Institucionalmente, com muita humildade, nós dizemos que nos equivocamos, erramos e por isso cometemos aquelas destruições de culturas, das cerimônias, das personalidades como pajés e mestres de cerimônias, danças, mas isso já aconteceu. Hoje, precisamos mostrar com gestos concretos que queremos valorizar os indígenas e toda sua cultura para que junto com a liturgia da Igreja possamos dar esse rosto indígena à Igreja Católica na Amazônia. As culturas, religiosidades e espiritualidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas vão enriquecer a Igreja cantando em suas próprias línguas, louvando a Deus. É difícil para muitos entender. Eu entendo porque tenho formação em Educação e Antropologia. Se eu fosse um simples padre, como uma formação básica filosófica e teológica, talvez não entendesse. Por outro lado, os indígenas também se escandalizam quando veem uma novidade. Há contradições em todos os lados, por isso é necessário um tempo de compreensão e assimilação das coisas novas, mas isso vai levar algum tempo.

Amazônia Real – Mais 500 anos, padre?

Padre Justino – Acredito que não (risos), pois tenho acompanhado o trabalho de vários bispos e eles têm a intenção de fazer as mudanças acontecerem logo. Aposto que elas entrarão em prática logo, ainda no papado de Francisco. Estou disposto a ajudar.

Amazônia Real – O senhor se refere à Igreja Católica como “nós”. O que é mais forte no senhor, a identidade indígena, a ancestralidade, ou o ofício de padre e evangelizador?

Padre Justino – Eu utilizo “nós” no sentido singular, como “eu”, e no plural, como “povo católico”. Nós não vivemos nossas identidades compartimentadas, como se uma hora eu fosse indígena, e noutra hora fosse cristão, padre, Tuyuka, etc. Eu, você, todos nós vivemos na unidade a pluralidade. Mais do que nunca podemos afirmar que as nossas identidades são plurais. Pessoalmente, agora não falo em nome dos outros, eu vivo intensamente minha identidade Tuyuka cristã. A cultura Tuyuka e cultura cristã buscam viver numa unidade. Mas isso exige um delicado esforço para manter o equilíbrio e uma não se sobrepor a outra, pois poderia gerar um conflito interno muito forte. É um esforço diário de construção da identidade. Eu sou cristão desde recém-nascido. Nasci no dia 30 de junho de 1961, fui batizado no dia 9 de julho. Então sou Tuyuka cristão há 58 anos, dos quais tenho 35 de vida religiosa consagrada como salesiano e 25 de padre. Eu procuro valorizar bem as riquezas dessas duas realidades. Não me sinto dividido, pois eu me assumo bem como indígena e sirvo como salesiano e padre sendo indígena, e não o inverso.

“O segredo para mim é gostar de ser indígena, pois quem não assume com segurança a sua identidade indígena sofre bastante, principalmente quem se torna sacerdote”

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