top of page
Buscar

Indígenas Apurinã enfrentam crise hídrica há 3 anos na Amazônia


As lideranças dizem que falta água água potável para beber e fazer os alimentos, o que provoca doenças como diarreia (Foto da seca de 2016/Foto (Crédito: Odair Leal/Amazônia Real)

Boca do Acre (AM) – Aldeias do povo Apurinã enfrentam, há três anos, uma crise hídrica, tanto no período da seca como durante a enchente do Alto Rio Purus, o último grande afluente da margem direita do rio Solimões, no sudoeste da Amazônia brasileira, na fronteira com o Peru. Nas aldeias Camapã e Manhê, as lideranças dizem que os problemas com o abastecimento de água se agravaram desde a seca do ano de 2016. Na ocasião, os poços artesianos secaram, permanecendo assim até o presente momento.

“Sempre teve problema de água por aqui, mas hoje está ficando mais difícil. Meu poço, com profundidade de 14,5 metros, deu uma água muito boa no começo, mas já secou”, disse o líder indígena da aldeia Camapã, Raimundo Andrade da Silva Apurinã.

As aldeias Camapã e Manhê ficam dentro da Terra Indígena Apurinã, no Km-124, no município de Boca do Acre, no oeste do Amazonas. Para chegar lá a partir de Rio Branco, capital do Acre, são três horas de viagem de carro pela rodovia BR-317. As lideranças contam que um caminhão do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Rio Purus, órgão ligado ao Ministério da Saúde, começou a fornecer água potável às comunidades durante a seca de 2016, mas interrompeu o serviço em dezembro de 2017, quando começaram as chuvas. Os indígenas reclamaram e órgão retornou com o abastecimento com caminhão pipa.

Sem solução para resolver a falta de água nas aldeias Apurinã, ainda em novembro de 2018 o Dsei disse à reportagem da agência Amazônia Real que retomou um processo de licitação para a construção de novos poços artesianos na localidade.

O conselheiro da saúde indígena da aldeia Manhê, Manoel Florentino de Souza Apurinã, afirma que as obras de saneamento do Dsei poderiam garantir o abastecimento, mas não entende por que demoram para a contratação de uma empresa para fazer o serviço.

“Esse projeto não foi aprovado? O dinheiro já está na conta do Distrito para fazer esse saneamento? Por que esse saneamento até hoje não apareceu? Eu não sei que fim deu o dinheiro. Então, até hoje nós passamos pelo mesmo problema”, protesta o conselheiro Manoel.

Ele diz que a cada ano, principalmente no período da seca, que começa na região no mês de junho, a crise hídrica se agrava nas aldeias Apurinã. “Antes tinha água para lavar uma roupa, tomar um banho. Na minha casa tem água porque mandei cavar um poço. A Sesai [Secretaria de Saúde Indígena] dizia que não dava água. Assim, andava dois mil metros, eu e minhas filhas, [para buscar água] e aí não aguentei mais. Aí, eu tinha uma vaca, matei e troquei pelo serviço [da abertura do poço]. Tenho água até hoje, mas a qualidade não é boa”, afirmou o Manoel.

Manoel culpa a qualidade da água pela atual condição de saúde em que se encontra seu filho adolescente, Marcos Silva de Souza. “Meu filho perdeu um rim por conta do problema da água. A gente fazia o leite dele com um Nescau”, afirmou o conselheiro.

Segundo o conselheiro da aldeia Manhê, a água fornecida pelo Dsei não é suficiente para todos os indígenas da aldeia, que tem uma população de 107 famílias.

“Um caminhão traz água duas vezes por semana. Chega com quatro mil litro d’água e os outros ficam sem água. Daí fazer o quê? E aqui tem quase 60 casas e não chega, não abastece, porque não dá! Quando chega, é três casas e já acabou a água”, disse Manoel.

Distante a cinco quilômetros da aldeia Manhê, funciona a Escola Abelina Apurinã, onde estudam 120 crianças. O professor Antônio Roberto Carvalho Ribeiro disse que o antigo poço artesiano foi lacrado por ter água imprópria para o consumo. Ele disse que a água era salobra, tinha um cheiro forte de cloro e os alunos reclamavam.

“Eles diziam: ‘professor, a água está com um cheirinho forte!’. Deve ser o cloro que eles colocaram um pouco a mais, mas não percebi que tenham feito mal não”, afirmou o professor Antônio Ribeiro.

Os indígenas Apurinã se autodenominam Popũkare, segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA). Outros povo também os chamam de Ipuriná – palavra da língua Jamamadi. A língua Apurinã é da família linguística Maipure-Aruak, do ramo Purus. Conforme o levantamento da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), em 2014 esse grupo era constituído com cerca de 9.500 pessoas vivendo em 27 territórios pelos estados do Acre, Amazonas e Rondônia. Desse total, apenas duas terras não estão homologadas pelo governo federal.

“O histórico do contato com esse povo é marcado pela violência dos dois ciclos da borracha na região amazônica. Hoje, algumas de suas terras ainda não foram reconhecidas e são recorrentemente invadidas por madeireiros”, diz um estudo do ISA.

Mudanças climáticas

Letícia Yawanawa é conselheira de saúde indígena e coordenadora da Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia. Casada com um indígena Apurinã, ela diz que as mudanças climáticas têm sido o motivo da escassez de água potável nas aldeias da região, nos períodos da seca e enchente. Ela afirma que o problema é tão grave que algumas famílias captam água das chuvas para beber.

“Nós temos presenciado como os povos indígenas têm sido afetados no Alto Purus; é uma situação assim muito complicada. O clima tem afetado muito. Então, finda que é os parentes ainda não estão acostumados com esse clima. Hora é muito chuva e outra hora é muita seca”, afirmou Letícia. Ela explica que, sem chuvas suficiente, os poços artesianos não enchem direito para ter água potável suficiente para toda a população.

A conselheira de saúde indígena disse que, além dos Apurinã, mais de 100 famílias da etnia Jamamadi sofrem com a crise hídrica no Alto Purus. Segundo Letícia, algumas delas, que não têm apoio de carro pipa do Dsei, compram água potável com o benefício do programa Bolsa Família.

“Por incrível que pareça, na Amazônia os povos indígenas têm que comprar água para beber e para o sustento das famílias”, disse Letícia Yawanawa.

Para os especialistas no clima, as mudanças climáticas podem ter causas naturais como alterações na radiação solar e dos movimentos orbitais da Terra ou podem ser consequência das atividades humanas, como o desmatamento, as queimadas e poluição. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas, responsável por produzir informações científicas, afirma que há 90% de certeza que o aumento de temperatura na Terra está sendo causado pela ação do homem.

O que diz o Dsei?

O coordenador substituto do Dsei em 2017, Alberto Alencar, funcionário de carreira da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), disse à agência Amazônia Real que o órgão tem enviado o caminhão-pipa para abastecer as aldeias Apurinã. “Nós trabalhamos com saúde e água tratada é de fundamental importância. A água é a maior transmissora de doenças”, afirmou.

Alencar explicou que, desde 2017, as empresas deveriam estar trabalhando nas obras de saneamento nas aldeias de Camapã e Manhê, mas problemas judiciais resultaram na demora. Ele informou que a construção dos novos poços artesianos tem um orçamento de R$ 3 milhões. “Então, a equipe do Dsei resolveu mudar o edital para facilitar o processo, pois as empresas alegam a dificuldade de contratação de profissionais”, disse o gestor atual do Dsei.

No dia 8 de novembro de 2018, a atual coordenadora do Dsei Alto Rio Purus, Taiane Belarmini, disse à reportagem da Amazônia Real que, depois de tantas questões burocráticas, teria conseguido lançar a licitação para a obra dos novos poços artesianos nas aldeias Apurinã. Ela confirmou a continuidade do envio de caminhão-pipa à terra indígena.

Na aldeia Camapã vivem 163 famílias Apurinã. Raimundo Silva Apurinã disse que a comunidade vem recebendo água duas vezes por semana de um caminhão-pipa, enviado pelo Dsei do Alto Rio Purus. Com sete pessoas dentro de casa, ele disse que a única forma é racionar a água.

“A única água que temos é aquela que o caminhão vem deixar. Eles enchem essa caixa de 500 litros, toda terça e quinta. Já pedi para mudar os dias, porque vêm dois dias seguidos e a gente fica quatro dias sem [água]. Isso dá mais trabalho para cuidar da família”, disse Raimundo, que é pai de 18 filhos, mas ele contou que 13 já estão casados. “Cuido de cinco filhos e a gente tem que dar um jeito para alimentar todos”, completou ele.

Funai demorou autorizar reportagem

Para acompanhar o problema da crise hídrica nas aldeias Manhê e Camapã, a equipe de reportagem da Amazônia Real em Rio Branco, no Acre, visitou por duas ocasiões as comunidades. A primeira visita foi após convite do Dsei, em 2016. A segundo em dezembro de 2017, quando as lideranças convidaram a reportagem e deram uma carta de anuência para o repórter ingressar na terra indígena. Mas para publicar a reportagem com fotos e vídeos e garantir o direito de imagem dos povos indígenas, o trabalho jornalístico precisou de autorização da Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília. O órgão público, criado para fazer a proteção dos indígenas tem normas e portarias para o ingresso de jornalistas nas terras indígenas.

Assim, o pedido de autorização para o ingresso da equipe da Amazônia Real à Terra Indígena Apurinã – Km 124 foi enviado em 23 de janeiro de 2017, durante a gestão do ex-presidente Antônio Fernandes Toninho Costa, pastor evangélico e filiado ao partido PSC. O Processo no. 08620.159293/2015-30 tramitou na Assessoria de Acompanhamento aos Estudos e Pesquisas (AAEP) por dez meses. A Funai justificou a demora para autorizar a reportagem devido a problemas técnicos. Em 30/11/2017, finalmente, o general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, autorizou o ingresso do jornalista da na terra dos Apurinã.

Durante o ano de 2018 e nos últimos cinco meses de 2019, a reportagem continuou monitorando a falta de água potável nas aldeias. No momento, segundo o Serviço Geológico do Brasil (sigla CPRM), que faz o monitoramento hidrológico da bacia amazônica, na região do alto rio Purus, na estação de Rio Branco (Acre), o rio encontra-se em processo de vazante (descida das águas), e atingindo níveis expressivamente baixos. Isso significa que a seca na região pode ser forte este ano. Enquanto isso, a situação da crise hídrica permanece a mesma nas aldeias Apurinã.

Fonte: Amazônia Real - por Freud Antunes

bottom of page