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Polícia reconstitui assassinato para testar versões de acusados e testemunhas


Por Apública - Rubens Valente, José Medeiros

Atalaia do Norte (AM) – Estampidos de armas de fogo voltaram a soar alto no rio Itaquaí na tarde desta quarta-feira (29) no mesmo ponto em que, no último dia 5, foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Os tiros na água fizeram parte da reconstituição do crime, na qual trabalham, desde a última terça-feira (28), mais de 20 policiais federais e civis e peritos criminais federais.


A reconstituição tem sido feita por blocos de “eventos”. Os presos e testemunhas dão sua versão sobre cada “evento”. A versão é reencenada com outras pessoas e objetos e gravada pelos peritos, “como se fosse um filmete” de cada “evento”, segundo um policial federal.


Depois, cada versão será confrontada na tentativa de dissipar as dúvidas e incoerências que surgiram entre depoimentos.


Na terça-feira (28), os peritos trataram da queima dos documentos e objetos pessoais de Bruno e Dom e da ocultação dos corpos. Na quarta-feira (29), a reconstituição teve a participação dos principais acusados da execução do crime, os pescadores e caçadores Amarildo Oliveira, o “Pelado”, e Jeferson Lima, o “Pelado da Dinha”. Eles foram retirados da cela da delegacia de Atalaia do Norte, onde permanecem presos por ordens de prisão preventiva emitidas pela Justiça, e levados ao rio sob escolta policial. No final do dia, foram trazidos de volta à cela da delegacia.


Uma nova testemunha localizada pela polícia, um ribeirinho que casualmente estava perto do local dos assassinatos mas não teve envolvimento no crime, segundo a polícia, disse ter ouvido uma “rajada” no momento do crime, ou seja, uma sequência de tiros que teriam atingido a água. Com os tiros dados na reconstituição de quarta-feira (29), a perícia queria saber se a testemunha reconhecia o som como sendo os disparos de uma pistola como a que Bruno Pereira costumava portar.


De acordo com a versão de Amarildo Oliveira, o “Pelado”, o indigenista Bruno Pereira teria esboçado uma reação quando já estava caindo no barco após ser atingido provavelmente nas costas por um disparo dado por Jeferson Lima, o “Pelado da Dinha” – este diz, no entanto, que o primeiro tiro contra Bruno partiu de “Pelado”. A dupla se aproximou do barco de Bruno pela parte traseira e deu os tiros à queima-roupa, sem chance de defesa para o indigenista, a uma distância que varia, de acordo com os depoimentos, de três a 20 metros.

José Medeiros/Agência Pública Os presos e testemunhas dão sua versão sobre cada “evento” no processo de reconstituição de cena

Com a série de reconstituições dos “eventos”, a intenção da polícia é esgotar dúvidas que surgiram na comparação entre os depoimentos prestados por Amarildo e Lima. Conforme o delegado que preside o inquérito, Alex Perez, disse à Agência Pública no último final de semana, as principais contradições são: quem, entre “Pelado” e “Pelado da Dinha”, atirou em quem no barco conduzido por Bruno e em que ordem; em que momento Dom Phillips foi morto; o número exato de cartuchos deflagrados (“Pelado” primeiro falou um tiro, depois três cada um); como foi a exata dinâmica do assassinato; a distância em que os disparos foram dados; o destino das armas usadas por “Pelado” e “Pelado da Dinha”; quantas e quais são as pessoas que ajudaram a ocultar os corpos.

Os policiais levaram sacos plásticos que simulam os corpos que foram levados para dentro da mata pelos acusados depois dos assassinatos e espingardas calibre 16 semelhantes às usadas no crime - Foto (Crédito: José Medeiros/Agência Pública)


Outra contradição entre os dois presos é quem convidou quem para entrar no barco na comunidade de São Gabriel a fim de perseguir e matar Bruno e Dom, quando o indigenista e o jornalista passaram de barco pelo rio naquele ponto na manhã do domingo, dia 5. “Pelado” diz que a iniciativa da perseguição partiu de “Pelado da Dinha”, que diz o contrário, que foi “Pelado” quem teve a iniciativa.


Outras medidas que ainda farão parte do inquérito para tirar dúvidas são uma acareação entre os dois acusados e a entrega do resultado dos diversos exames periciais realizados até o momento. Foram feitas perícias nos corpos, no local do crime, no local onde os corpos foram enterrados na mata e em diversos objetos encontrados com e nas casas dos investigados.

José Medeiros/Agência Pública Cada versão será confrontada na tentativa de dissipar as dúvidas e incoerências que surgiram entre depoimentos

O trabalho pericial desta quarta-feira foi acompanhado pela Agência Pública e pela Rede Amazônica, afiliada da Rede Globo no Amazonas. Os policiais foram apoiados por quatro indígenas e dois barcos da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). O barco que transportou os jornalistas foi conduzido pelo ex-coordenador da Univaja Jader Marubo, amigo de Bruno, com quem trabalhou por mais de cinco anos, de 2012 a 2016, quando o indigenista chefiou a coordenação regional da Funai em Atalaia do Norte. No caminho de ida e volta ao local da reconstituição, Marubo tocou nos alto-falantes do barco a versão entoada por Bruno de um canto kanamari que viralizou nas redes sociais após o seu assassinato. Os Kanamari são um dos povos que habitam a Terra Indígena Vale do Javari. Histórias como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não fiquem escondidas por trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo de qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão. Seja nosso Aliado


O especial Vale do Javari — terra de conflitos e crime organizado é uma série de reportagens da Agência Pública com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center

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