Da Rede Brasil Atual - O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou nesta quinta-feira (30) que o Banco Central pode emitir moeda e comprar a dívida interna para garantir recursos no combate à pandemia do novo coronavírus, como para a manutenção dos empregos dos trabalhadores. O anúncio da medida em audiência pública no Congresso Nacional soou em parte do meio econômico como mudança de postura de Guedes e confissão da crise. O economista João Sicsú avalia que a conduta de Guedes na crise falha por ignorar a criação de empregos de qualidade e alerta que cada trabalhador demitido é um multiplicador de desemprego.
Há pelo menos um mês, o chefe da Economia insistia que o país poderia crescer mais do que 2%neste ano, enquanto as projeções naquele momento já indicavam uma queda do Produto Interno Bruto (PIB).
Na prática, a emissão de moedas significa colocar mais dinheiro para circular na economia, o que pode ser feito, por exemplo, com o aumento da impressão de cédulas. Mas a medida encontrava oposição por supostamente provocar um descontrole inflacionário.
O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Sicsú afirma que a mudança de posição de Guedes, contudo, revela algo ainda mais além. O “desconhecimento” da teoria e da história econômica. “É governo que não tem nenhuma semente sequer de formação econômica. É uma equipe muito atabalhoada e sem nenhuma consistência”, diz Sicsú, ex-diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) .
Renda emergencial
“Existe no senso comum a ideia de que a emissão de moeda causa inflação. Eu sei porque sou professor e os alunos do primeiro período têm essa resposta na ponta da língua. Mas é um desconhecimento da disciplina da economia e da história econômica, porque não causa nenhuma inflação emitir moeda neste momento”, explica o economista em entrevista à Rádio Brasil Atual.
“Nós não estamos turbinando ou acelerando uma recuperação, antes fosse isso, não é o caso, nós estamos tentando recuperar uma economia que está desabando, então o máximo que vai acontecer é que nós vamos fazer a economia cair menos”, acrescenta.
O cenário portanto, de acordo com Sicsú é de uma economia que terá desemprego e recessão, mas que precisa reduzi-las ao máximo possível. Para enfrentar isso, o professor defende a importância do Planejamento, com o Estado injetando recursos, mas também coordenando políticas públicas para preservar a renda e os emprego dos trabalhadores.
Até agora, porém, o governo de Jair Bolsonaro só apresentou “uma única política que pode ser elogiada”, a aprovação da chamada renda emergencial, com a transferência de R$ 600 reais aos trabalhadores informais e autônomos. Mas mesmo essa medida também esbarra na falta de expertise do governo, com milhões de trabalhadores ainda sem acesso ao benefício, considerado fundamental nesse momento de crise, e com a demora da equipe econômica em liberar mais recursos à população.
Plano “pró-Brasil” é plano de slides
“Veja a implementação. Os vídeos na internet são lamentáveis. Milhares de pessoas em filas em frente à Caixa Econômica. São cenas bastante lamentáveis, com pessoas até emprestando máscaras, que é um ato de solidariedade, mas também uma demonstração da falta de planejamento (do governo) que está levando ao suicídio, à contaminação completa”, contesta Sicsú.
No último dia 22 de abril, o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, chegou a apresentar ao lado dos ministros Rogério Marinho e Tarcísio Freitas, das pastas de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura, respectivamente, um plano de retomada da economia, chamado de Pró-Brasil.
A divulgação, porém, chamou atenção mesmo pela ausência de Guedes e, principalmente, pela superficialidade da apresentação, logo considerada o esboço de uma proposta sem detalhamentos. Prevê apenas investimentos públicos na ordem de R$ 30 bilhões – valor considerado muito abaixo do esperado por especialistas – e um programa de concessões avaliado em R$ 250 bilhões que viriam da iniciativa privada.
“Não tem plano nenhum. Esse plano é um conjunto de slides”, sintetiza o economista, alertando que é preciso pensar na transferência de recursos do governo para população no geral e as empresas, para que elas possam garantir o emprego dos trabalhadores. Assim como no socorro aos estados e prefeituras.
Governo em descompasso do mundo
“Cada trabalhador demitido é um multiplicador de desemprego. O governo ainda não aprendeu isso, não sabia que emitir moeda não causa inflação, imagina entender do multiplicador do emprego. Mas cada trabalhador que ‘vai para a rua’, é demitido, ele gasta menos, e portanto ele multiplica dentro da economia essa redução de gastos e o aumento do desemprego”, ressalta.
João Sicsú lembra que um planejamento estatal sempre foi imprescindível, a exemplo de como foram os planos quinquenais de Josef Stalin, na União Soviética, que buscou um plano de integração de esforços. E como o ex-presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt propôs o New Deal, o “novo acordo”, para enfrentar a Grande Depressão na década de 1930.
Um projeto que ia muito além de incentivo às obras públicas e transferência de recursos, mas com leis trabalhistas, estímulo à sindicalização e regulamentação bancária e financeira, como reforça o professor da UFRJ na Rádio Brasil Atual.
O que, para ele, mostra a importância de um plano de recuperação econômica que integre os diferentes segmentos da sociedade brasileira, mas também de um planejamento de “antecipação e organização do futuro”. “O Brasil precisa administrar a crise de forma bastante organizada e científica e pensar o futuro também de forma bem organizada e científica”, garante.
“O problema é que esse governo governa de forma completamente atabalhoada, não tem governo, é um amontoado que faz iniciativas, volta atrás, faz declarações e volta atrás, faz política e a política não é implementada”, lamenta o economista.
Consórcio Nordeste, um exemplo
Nesse vácuo deixado pelo governo Bolsonaro, Sicsú vê na iniciativa do Consórcio Nordeste, dos governadores progressistas de oposição ao presidente, uma saída. Nesta semana, o coordenador da Comissão Científica do Consórcio, o neurocientista Miguel Nicolelis, anunciou, por exemplo a criação de uma Brigada Especial de Saúde para atender justamente a atenção primária na região.
“O que está acontecendo no Nordeste é algo muito interessante, porque conjuga a governança planejada com algo que é necessária para se fazer essa governança planejada, é preciso ter liderança política. Vi a informação de que 700 cientistas, do Brasil e do mundo, vão trabalhar como voluntários no programa. Ou seja, existe uma liderança política, um plano que gera esperança, e isso provoca a aderência de voluntários que vão trabalhar para distribuir a cesta básica na periferia até cientistas que vão trabalhar modelos para ver o grau infecção e disseminação do vírus numa região”, elogia.
“Mas isso só é possível fazer com gente que tem conhecimento”, reitera João Sicsú, finalizando a entrevista.