Descoberta recente mostrou que cerca de metade das emissões naturais de metano da bacia amazônica são feitas pelos troncos das árvores
As águas sobem, espalham-se e invadem florestas. Folhas, frutos e galhos, agora submersos, ficam sob o solo ou são transportados pelas águas. É tempo de cheia na Amazônia, que tem florestas inundadas durante meses pela dinâmica natural dos rios.
No solo agora submerso, falta oxigênio. Aí entram em ação os microorganismos anaeróbios. Na digestão da matéria orgânica em decomposição, alguns produzem metano (CH4), um dos três principais gases do efeito estufa.
As árvores, então, passam a funcionar como 'chaminés' naturais. Os troncos são responsáveis por cerca de metade da liberação de metano para a atmosfera em áreas alagáveis do bioma amazônico, a maior planície de inundação coberta por florestas do planeta.
A descoberta publicada na revista Nature Letters em 2017 deu uma resposta à comunidade científica que se deparava com números discrepantes ao comparar concentrações de metano na atmosfera (feitas através de observações por satélite, aeronaves e torres de monitoramento) e os dados de emissões de gases a nível do solo.
Enquanto o primeiro indicava impressionantes emissões de até 50 bilhões de toneladas por ano, as estimativas de metano baseadas em medições por solos e águas amazônicas beiravam 20 bilhões de toneladas.
Agora, onde e como acontece a produção e o transporte do gás são algumas das questões que Rodrigo Nunes, estudante de Ph.D. da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, e seus orientadores. Sunitha Pangala e Nick Ostle, pretendem responder.
Canalização do metano
O carbono (CO2) absorvido pelas plantas no processo de fotossíntese pode retornar à atmosfera como carbono ou, através da decomposição anaeróbica, ser transformado em metano, gás com potencial de aquecimento da atmosfera 28 vezes maior que o CO2.
Para entender da onde vem o carbono, como é transformado em metano e emitido pelos troncos, o pesquisador irá realizar durante um ano coletas de amostras de solo, água e gases em três tipos diferentes de florestas alagáveis: várzea, área inundada anualmente por cerca quatro meses; chavascal, inundada por aproximadamente seis meses e igapó, permanentemente inundada.
Também serão instaladas estações meteorológicas nas florestas para medições de temperatura e umidade relativa do ar, fatores que influenciam nas projeções do gás.
Após as coletas, o segundo ano de pesquisa será dedicado a experimentos de incubação de solo e de mudas na Casa de Vegetação do Instituto Mamirauá.
O pesquisador irá verificar o desenvolvimento de uma espécie comum aos três tipos de floresta, a seringa barriguda (Hevea spruceana), e mais duas espécies exclusivas e abundantes em cada área estudada. No experimento, as plântulas serão submetidas a diferentes períodos de inundação. Com isso, as emissões de metano serão monitoradas em conjunto com as diversas variáveis ambientais.
“Vamos simular o efeito de inundação para cada uma das espécies de árvores, estimar as taxas de assimilação de carbono pela fotossíntese, assim como as taxas de emissão de carbono e metano, controlando o tempo de inundação a que serão submetidas”, explica Rodrigo.
As coletas serão realizadas nas reservas de desenvolvimento sustentável Mamirauá e Amanã e a pesquisa conta com o apoio do Grupo de Pesquisa em Ecologia Florestal do Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Mudanças climáticas e alterações no bioma
Fenômeno natural e regulador do clima, o efeito estufa sofre processo de intensificação nos últimos 100 anos causado principalmente pelo aumento das emissões de gases por atividades humanas como a exploração de carvão, petróleo e gás natural e a pecuária intensiva.
Para compreender, entretanto, os efeitos de ações humanas neste processo, é necessário entender as emissões naturais e seus fatores ambientais e climáticos. “Sem conhecer o balanço natural, é difícil definir o que é efeito antrópico”, afirma o pesquisador.
O especialista afirma que a pesquisa trará maior compreensão sobre a contribuição das florestas e rios amazônicos na manutenção do equilíbrio climático global.
Os dados também servirão para esclarecer possíveis consequências de alterações climáticas e construções sobre as emissões naturais no bioma. Construções de barragens, por exemplo, tornam áreas antes alagadas em secas e transforma outras em locais permanentemente alagados. Ainda são desconhecidos os efeitos dessas transformações no balanço natural dos gases.
“A Amazônia tem passado por grandes mudanças, com o desmatamento e a conversão de florestas em pasto e construção de grandes barragens hidrelétricas. Nessas condições, nós ainda não sabemos o que vai acontecer com os rios e florestas da planície de inundação. Essa pesquisa vai contribuir para novos estudos, que nos próximos anos, poderão elucidar essas questões e outras que dizem respeito a causas de mudanças climáticas globais e efeitos das ações humanas na bacia amazônica”, diz Sunitha Pangala, uma das responsáveis pela pesquisa que revelou a magnitude das taxas de emissão de metano por troncos de árvores na Amazônia.
Fonte Instituto Mamirauá - Texto: Júlia de Freitas