Por Birgit Gerstenberg* - A recente chacina de presos em Altamira (PA) evidenciou uma realidade chocante de condições subumanas, caos, crime organizado, tortura e morte. É uma situação impactante, mas dificilmente surpreendente: Manaus, Pedrinhas, Boa Vista, Alcaçuz, Carandiru, a lista de tragédias em centros prisionais brasileiros é comprida. E na ausência de uma mudança radical, é provável que Altamira não seja a última delas.
O fato de que vários dos casos mais brutais de violência carcerária derivem de confrontos entre internos — relacionados a causas estruturais mais amplas e abrangentes — não dispensa o Estado de sua responsabilidade de proteger a vida e integridade das pessoas presas e, certamente, a de seus agentes penitenciários.
O Brasil conhece muito bem suas obrigações com a dignidade humana, não apenas conforme o direito internacional mas à luz de sua Constituição: o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro (ADPF 347).
O país também recebeu inúmeras recomendações de especialistas internacionais de direitos humanos (como o relator da ONU sobre a tortura e o sub-comitê da ONU para a prevenção da tortura) sobre ações concretas para erradicar de seu sistema prisional a superlotação, a perda de controle sobre a disciplina do pessoal, o crime organizado ou a corrupção.
Mas apesar de todos os diagnósticos, o Brasil tem reagido com lentidão ou mesmo adotado medidas na contramão destas obrigações e recomendações — baseadas no direito doméstico e internacional, bem como na evidência empírica. Por exemplo, ao alterar o funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, peça-chave para melhorar qualquer sistema carcerário.
Por sua vez, existe um senso comum que tende a banalizar as violações de direitos humanos contra as pessoas presas, como uma espécie de castigo pelos crimes que podem ter cometido, ou como punição adicional à privação de liberdade estabelecida pela Justiça.
Esta ideia tão frequente torna mais fácil para o Estado esquivar-se de sua responsabilidade de melhorar as condições nas prisões, não investir em alternativas à privação de liberdade ou em políticas criminais de longo prazo, ou não apostar na reabilitação e reinserção social. Ou privilegiar uma abordagem punitiva em vez de fortalecer a prevenção, com ênfase nas parcelas mais vulneráveis da população.
Mas, afinal, é como o efeito dominó, pois todas essas ações ou omissões do Estado produzem um alto custo para a sociedade. A mesma sociedade que julga aceitáveis as violações sistemáticas dos direitos humanos nas prisões, acaba sofrendo as consequências da falta de segurança, da criminalização da pobreza e da perda do potencial produtivo daqueles grupos mais discriminados e estigmatizados, como jovens e afrodescendentes.
Popular ou não, o Estado tem a obrigação de proteger os direitos humanos, principalmente das pessoas que estão sob sua custódia. Caso contrário, a sociedade toda acaba pagando o preço de um sistema prisional e criminal falido, que contribui para enfraquecer a segurança pública, a paz social, a governabilidade, o desenvolvimento e a plena vigência dos direitos humanos.
*Birgit Gerstenberg é representante da ONU Direitos Humanos, América do Sul.
Artigo publicado originalmente pela edição brasileira do jornal El País, em 13 de agosto de 2019.
Fonte: ONU